quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Natal de 1961 em Quicabo

Não me recordo de que tenha havido qualquer diferença para os restantes dias do mês de Dezembro daquele malfadado ano de 1961. A mesma rotina: patrulhas, vigilância, atênção.
A minha agenda refere apenas: "nem recebi correio!"
Em anos subsequentes começaram a aparecer algumas manifestações ou comemorações diferentes e, antecipadamente, faziam-se as gravações das célebres mensagens de natal para as famílias que, depois, seriam transmitidas no rádio e na televisão.
A propósito não posso deixar de transcrever um post do JUMENTO, a quem peço autorização e rendo as minhas homenagens pela clareza e justeza de opinião nele expressa:
"Umas das recordações da quadra natalícia que me ficaram da infância foram as horas intermináveis da RTP transmitindo as mensagens de Natal ds soldados portugueses que combatiam em África. Era curtas, cada soldado dizia o nome e o posto, desejava um bom Natal aos familiares e terminava invariavelmente com um “adeus e até ao meu regresso”.
Não sei o que me prendia ao televisor mas a inexistência de alternativas `RTP, a não ser a TVE, levou a que pelos meus olhos tivessem passado muitoss milhares de soldados portugueses, o “adeus, até ao meu regresso” ficou-me gravado para sempre na memória.
Recordo este facto para lembrar que muitos deles não regressaram, foram mandados para uma guerra pelo Estado português, morreram e por lá ficaram abandonados, alguns em cemitérios, muito nem isso, esquecidos por todos menos pelos seus familiares, muitos dos quais os terão visto pela última vez nestes programas da RTP.
Os portugueses foram-se esquecendo, uns porque o tema deixou de render, outros porque sentem vergonha deste lado da história, uns e outros esqueceram-nos, abandonado-os definitivamente. Os seus restos mortais ficaram por lá, esquecidos e abandonados. A maioria são soldados, gente pobre que não merece grande atenção dos poderes, morreram na guerra errada.
A ideia de um soldado morto não regressar à sua terra não é um exclusivo da guerra colonial, a Europa está pejada de cemitérios de soldados que morreram nas duas guerras mundiais. Mas depois da Segunda Grande Guerra o abandono dos militares mortos deixou de ser regra e é uma vergonha para Portugal que os seus soldados tenham sido esquecidos. Uma vergonha para Portugal e uma injustiça para as suas famílias, a quem tiraram os filhos sem nunca os terem devolvido.
Ser contra a guerra colonial não implica ter vergonha da nossa história e, muito menos, esquecer as maiores vítimas dessa guerra, é uma vergonha para o país tê-las esquecido. Recordo-os neste dia, que muitos dizem celebrar a família, porque são muitos os portugueses que também os recordam em silêncio, como se tivessem que ter vergonha por os seus filhos terem morrido em nome de um país com medo da sua história.
É tempo de Portugal honrar os seus soldados e trazer os seus soldados de volta a casa.
PS: Felizmente na minha família ninguém morreu em África, a minha geração escapou à guerra, da anterior tive um tio fuzileiro na Guiné e um outro numa companhia de caçadores nos primeiros tempos da guerra em Angola. Recuando mais um pouco, tive um avô na guerra civil de Espanha e um bisavô na guerra que a Espanha travou com os EUA em Cuba, todos regressaram vivos."

2 comentários:

Anónimo disse...

Se não estou enganado, os restos mortais de todos ou de quase todos os nossos antigos camaradas do Batalhão de Caçadores 114, repousam suavemente no pequeno Cemitério de Sassa - Caxito e no Cemitério de Luanda.
Para mim os verdadeiros heróis da Guerra Colonial são todos aqueles que lá morreram, os estropiados e os traumatizados.
Ouvimos, por vezes, algumas vozes, desfasadas da realidade dos tempos, afirmarem: "Se fosse eu, não teria ido para essa guerra!".
Como muitos jovens da minha geração nunca me passou pela cabeça fazer a guerra. Num dos meus primeiros livros de infância, li: "Na guerra vence sempre o mais forte e nem sempre aquele que tem razão". Esta frase guardei-a sempre na minha "caixinha de memórias", logo sou, por índole e formação, avesso a qualquer tipo de violência.
Em 1961, para quem, como eu, já estava quase a passar à disponibilidade (incorporação de 1960), uma vez envolvido neste cenário, não lhe era assim tão fácil sair de cena. Ser refractário ou desertor ou ir para a clandestinidade ou estrangeiro, era extremamente difícil. O caminho da emigração política era complicado e implicava riscos consideráveis para se passar clandestinamente e indocumentado as fronteiras, nomeadamente da Espanha e da França, porque não era também possível obter um passaporte desde que estivesse em idade de cumprir o serviço militar e os efeitos dessa aventura poderiam passar pela solidão de uma cela, a agonia da tortura, etc, etc. Era, por conseguinte, um caminho de imprevisibilidades.
Na guerra: Ou se vence ou se morre. Não existe o meio termo. E, por vezes, neste cenário, agimos como se estivessemos anestesiados!
Resumindo e concluindo: Constantemente os ex-combatentes ainda vivos, "pedem que os camaradas tombados regressem a casa". Somos constantemente "sensibilizados para a necessidade de continuar a gostar da Pátria e louvar os mortos da guerra".
Dado o bom relacionamento que Portugal tem com os Países emergentes da colonização portuguesa, o mínimo que, a meu ver, Portugal deverá fazer é: Trazer os restos mortais dos milhares que morreram em vários cenários de guerra do ex-Ultramar e entregá-los às respectivas famílias. Não há dinheiro? Sugestão: A venda de um ou mais dos antigos quartéis que se encontrem desactivados ou em vias disso, poderá ajudar a suportar tais despesas, desde que o Ministério da Defesa, entre em cena e se proponha colaborar. Os antigos combatentes obedeceram e cumpriram ordens e directivas emanadas deste Ministério. Esses militares deram à Pátria o bem mais precioso que possuíam - A VIDA!

MVHorta disse...

Em tempo: O anónimo do Coment anterior, sou eu: mvhorta. Inadvertidamente ao pretender teclar no "Nome", teclei no "Anónimo", e assim ficou. Assumo a autoria do Comentário.
Num dos meus blogs,
http://valhor.blogspot.com
no post "Madrinhas de Guerra" também falei da célebre mensagem "Adeus, até ao meu regresso". Felizmente, regressei.