quinta-feira, 25 de setembro de 2008

CC 115 - Beira baixa

CONSOLIDAÇÃO DA INSTALAÇÃO

Depois do incidente que relatei abaixo a Companhia sofreu outro forte abanão, pois foi quase outro pelotão que ficou destroçado, agora o primeiro, do comando do Alferes Freitas.
O terceiro Pelotão mantinha-se com dois feridos ligeiros nas sete curvas e o Régua que teve de ser evacuado com uma perna esfacelada no incidente de 15 de Setembro, portanto era o mais operacional, digamos assim. Por isso andava quase permanentemente fora do acampamento em missões diversas de patrulha e vigilância sobre os itinerários, ocupando pontos estratégicos de modo a evitar emboscadas às patrulhas motorizadas vindas de Quipetêlo, incidindo especialmente na zona da Serração e bifurcação para Canacassala.
Apesar disso não foi possível evitar que uma patrulha de reabastecimento, vinda de Quissacala, (CC 117), fosse atacada no sitio de Matanga, no dia 22 de Setembro, felizmente sem consequências.
Essa patrulha de reabastecimento foi muito importante porque trousse componentes necessários para nesse mesmo dia ser inaugurada a luz eléctrica na Beira Baixa, um melhoramento importante para o bem estar do pessoal e melhoria das condições de vigilância durante a noite.
No dia 25 chegou à Beira Baixa e integrou-se em reforço da CC 115, uma Bateria de Artilharia pesada.

Aqui está uma peça de Artilharia de Campanha, uma das que não nos deixavam dormir de noite e muita confusão, senão terror, deverão ter causado aos refugiados nas florestas dos Dembos.

INÍCIO DA TERRAPLANAGEM PARA A PISTA DE AVIAÇÃO

Depois de alguma normalidade na permanência na fazenda Beira Baixa, em 28 de Setembro tiveram início as obras de terraplanagem para construção da uma pista para aterragem de aviões naquela zona de floresta muito densa. Isto só foi possível depois de uma grande desmatação com corte de muitas árvores de grande porte, o que exigiu bastantes meios envolvidos da arma de engenharia.

ALFERES BARRILARO RUAS

Entretanto as operações de segurança e patrulhamento não pararam e os reabastecimentos também não e os ataques e emboscadas dos insurrectos também não!

A Matanga era um local propício a emboscadas, ali se dera o incidente de 15 de Setembro, e por isso eram sempre tomadas precauções especiais quando vinha alguma patrulha de reabastecimento, para evitar que ali fosse atacada, promovendo-se patrulhas de vigilância e prevenção, que ocupavam os morros limítrofes, dos pontos mais propícios àqueles actos de guerrilha, tão frequentes. Independentemente disso as patrulhas, em movimento, faziam tiros de exploração para os pontos mais suspeitos, o que obrigava as nossas patrulhas a tomar medidas de defesa, no sentido de não serem atingidas pelo fogo amigo.

No dia 29 saíra uma patrulha da CC 117, estacionada em Quissacala, e o 3º Pelotão, do Alferes Noca, foi ocupar um morro longitudinal à picada, entre esta e a Serração.

A dada altura ouviram-se os motores das viaturas que passavam na picada, mas tiros de exploração e reconhecimento, como era habitual, nada. Silêncio completo! O que causou estranheza a todos, pela inusitada ausência daquela manobra de detecção do possível inimigo, cuja localização era sempre desconhecida.

Cumprida a missão, o 3º Pelotão regressou ao acampamento e antes de chegar foi notada a chegada de um helicóptero, o que também causou admiração e surpresa, por ser a primeira vez que tal acontecia naquele acampamento.

O facto é que a patrulha da 117 era comandada pelo Alferes Barrilaro Ruas e fora atacada a 2 Km de Quipetêlo, numa emboscada em que um atirador especial atingiu deliberadamente o alferes, com um único tiro, em zona mortal.

Na expectativa de salvar o Alferes Ruas, foi pedido o helicóptero, mas já sem sucesso, porque ele estava morto.

Este episódio foi muito sentido por todos e até pelas altas esferas, por várias razões:

  1. Foi mais um dos nossos que morreu;
  2. O Alferes Barrilaro Ruas era um oficial distinto quer sob o aspecto humano quer profissional: fora o 1º classificado do Curso de Oficiais Milicianos de 1960. Prezo-me de o ter tido como camarada de Pelotão no COM, em Mafra;
  3. Naquele dia ele foi escalado para comandar aquela patrulha por ter regressado de Luanda no dia anterior, onde fora esperar a sua esposa, chegada da Metrópole, acompanhada de um filho de meses, que o pai, Alferes Ruas, ainda não vira antes;
  4. Porque o tempo estava frio, era manhã cedo, o Alferes Ruas vestia o seu casaco de cabedal verde azeitona ostentando os galões dourados de alferes, o que facilitou a identificação pelo atirador e por isso dizemos atrás que foi "deliberadamente" atingido pelo inimigo.

Com a devida vénia, transcrevo o post que MVHORTA colocou no seu blog:

Fazenda Beira Baixa
Na Fazenda Beira Baixa, o reabastecimento às nossas tropas, era difícil devido ao facto dos guerrilheiros da UPA montarem emboscadas diárias às patrulhas que reabasteciam as tropas ali acantonadas. Recordo que, durante uns três dias, esgotaram-se as rações de combate e nem sequer havia bolachas de água e sal para, ao menos, “enganar o estômago”. Nesse período, houve apenas e no máximo, duas refeições diárias. O pequeno almoço não ia além de um púcaro de café, desacompanhado de pão ou bolacha. Ao almoço, a refeição era única e simplesmente: macarrão com chouriço, e, à noite, para variar!… chouriço com macarrão. Por vezes houve necessidade de recorrer ao reabastecimento aéreo, pouco prático porque os pesados sacos com os víveres, ao serem lançados de uma altura bastante considerável para o interior do aquartelamento, batiam estrondosamente no solo e ficavam em muito mau estado de utilização, não deixando, por isso, de serem convenientemente aproveitados. Numa das patrulhas de reabastecimento terrestre, foi morto, numa emboscada do IN, o Alferes Barrilaro Ruas, da CC 117. No âmbito da toponímia, a autarquia de Lisboa, em sessão de câmara, deu o nome, desse mártir da guerra colonial, a uma rua da capital. Trata-se da Rua Alferes Barrilaro Ruas, em Santa Maria dos Olivais. Situa-se entre a Rua General Silva Freire e a Rua Sargento Armando Monteiro Ferreira (Bairro Olivais Norte). Deste episódio, e não só, falará o meu amigo Alferes, Nobre de Campos, no Blog CC 115, porque foi ele quem, com o seu 3º. Pelotão, avançou em socorro dessa coluna de reabastecimento tendo o pelotão sido também flagelado pelo IN, logo que chegou ao local. Refiro apenas que a CC 115, sofreu ali mais 2 mortos e alguns feridos com gravidade.

Nota: esta referência do MVHORTA merece figurar neste blog, pelo seu conteúdo realista, descrito por quem viveu esses dias difíceis da Beira Baixa. Apenas se rectifica que não foi no dia em que morreu o Alferes Ruas que a 115 sofreu os 2 mortos e vários feridos, mas sim em 15 de Setembro, como já referi noutro post. Incluo ainda o comentário que fiz no post do MVHORTA.


NOCA disse...
O Alferes Barrilaro Ruas, Oficial da CC 117, foi o Cadete melhor classificado da Escola de Oficiais Milicianos de 1960, na EPI.A sua morte foi trágica, como a de todos os outros militares mortos em combate. Mas tornou-se muito notória pelas circunstâncias que a envolveram: a CC 117 estava estacionada em Quissacala ou Kiptêlo, não posso precisar bem, e ele havia beneficiado de uns dias de dispensa para ir a Luanda receber a esposa que vinda da Metrópole, pretendia acompanhar o marido, Alferes Barrilaro Ruas. Porque a zona onde a sua companhia se encontrava não oferecia segurança, a esposa teve de ficar em Luanda e ele regressou à sua unidade.Regressado, foi o primeiro da escala para comandar uma patrulha de reabastecimento à CC 115 que se encontrava na Beira Baixa. Saindo a patrulha motorizada do seu acampamento e percorridos poucos quilómetros, ao atravessar uma zona em que a picada era dominada por uma colina pelo lado direito, um atirador emboscado, não teve dificuldade em identificar o comandante da patrulha que,imprudentemente e por estar frio, era portador de um casaco de cabedal e com os galões dourados a brilhar. Com um tiro certeiro atingiu o Alferes Ruas numa zona mortal. Verificaram-se ainda mais dois feridos ligeiros.

O 3º Pelotão da CC 115 recebeu a missão de ocupar pontos sensíveis junto à picada a percorrer pela patrulha, o que aconteceu. Nesse dia, os elementos da patrulha motorizada que habitualmente faziam tiros de reconhecimento para locais ao longo da picada mais propícios a emboscada, não fizeram um único tiro de reconhecimento e as viaturas marchavam em velocidade muito acelerada, apenas se ouvindo o ruído dos motores, o que causou surpresa ao comandante do 3º Pelotão, vigilante ao longo da referida picada.

Passada a patrulha, e regressando ao acampamento, o comandante do 3º Pelotão foi surpreendido pela notícia da morte do seu camarada e grande amigo desde o COM em Mafra, onde faziam parte do mesmo Pelotão de Instrução."We don't need another hero!"
21 de Maio de 2008 11:35

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

CC 115 - Quipetêlo-Beira Baixa






Esta foto aérea da fazenda "Beira Baixa" é bastante posterior relativamente à nossa chegada àquela Fazenda: já se vêem as reconstruções e organização do espaço e ainda um caminho alternativo a poente, denunciando muito uso, que liga à picada (estrada) em baixo e que segue para Nambuangongo, vendo-se ainda a captação de água, no canto inferior direito.


Ao fundo, lá está o palmeiral com as casas dos trabalhadores e nota-se a saída para a Serração. A chegada para quem vem de Quipetêlo é pelo caminho da esquerda que atrás se bifurcou deixando a picada principal para Nambuangongo.
As fotos a seguir são de 1961 e dão melhor ideia do estado em que tudo se encontrava quando ali chegámos.

À chegada a Beira Baixa, durante um período de descontracção do pessoal em pleno terreiro de seca do café, um atirador inimigo alvejou o terreiro com uma rajada de pistola metralhadora vinda da encosta sobranceira e dominante. Rapidamente o pessoal reagiu e o perigo passou.


Terreiro da seca do café na fazenda “Beira Baixa”, dominado pelo monte “QUIBABA”, em fundo.
Do lado oposto ficava o palmar que se pode ver na foto seguinte abaixo.




O Sr NEVES era o patrão da fazenda “Beira Baixa”.
Aqui se desenvolvia grande actividade agro florestal, (agora parada), com serração própria, (agora totalmente destruída), fábrica de óleo de palma, secagem e descasque de café, (igualmente paradas e destruídas as respectivas instalações, bem como a sede/residência dos fazendeiros).
Para esta fazenda se deslocavam anualmente milhares de trabalhadores do sul, (bailundos).


Aspecto do interior da residência da fazenda, totalmente destruída pelo fogo e outras acções dos “terroristas”.
Em fundo e a uma distância de cerca de um quilómetro, fica uma área plana, completamente florestada, escolhida para implantar a futura pista de aviação. A desmatagem começou durante a nossa permanência na B.B.

Eis o grande palmeiral da fazenda "Beira Baixa", donde era colhido o "dendém" de que se extraia o óleo de palma. As casas que se vêem na foto eram destinadas a recolher os trabalhadores da fazenda, sobretudo os bailundos vindos do planalto do Huambo, (Nova Lisboa), por os locais serem mais rebeldes na colaboração/submissão com os colonos brancos.

BEIRA BAIXA
Vamos passar um mês e meio na Beira Baixa, durante a época das chuvas. O reabastecimento da tropa nesta altura foi muito difícil, devido à pressão que o inimigo exercia sobre os itinerários, com emboscadas diárias à patrulhas que os percorriam.
Houve mesmo necessidade de recorrer a reabastecimento aéreo em géneros alimentícios e até fardamento.

Avião lançando fardos com couves e outros géneros hortícolas, bem como sacos de feijão e massas, para alimentação do pessoal, em 11 ou 12 de Setembro na Fazenda “Beira Baixa”.
A segunda quinzena de Julho e a primeira de Setembro foram as piores em relação ao abastecimento de géneros alimentícios.
Dias houve, com apenas uma refeição quente, constituída por arroz cozido com água e sal e mais nada.
Nem as rações de combate existiam, (pois eram reservadas às chamadas tropas de elite: Páras e Caçadores Especiais).
Quando surgiram, constituíram um luxo, só comparável aos maços de cigarros enviados pelo MNF (Movimento Nacional Feminino).

ACTIVIDADE OPERACIONAL
A missão da CC 115, nesta fase, era executar acção de quadrícula para garantir a segurança do itinerário para Nambuangongo e limpeza da zona em áreas como Canacassala, Quifula, João Marques e Serração, garantindo a livre circulação entre Quissacala, Quipetêlo, Beira Baixa, Águas Belas e Nambuangongo.
Isso obrigava a uma actividade permanente com lançamento de patrulhas apeadas para os arredores da Beira Baixa, que eram muito povoados, encontrando-se essas populações totalmente controladas pelos guerrilheiros, refugiadas nas matas e servindo-lhes de apoio logístico.

Dentro desta actividade há que ressaltar duas patrulhas a nível de Companhia, uma no dia 11 a Canacassala e outra no dia 12 a Quimguimbe.
Em Canacassala, grande povoação com arruamentos e praças ou espaços de convívio social, onde havia uma missão protestante e uma escola importantes, e onde se verificava a existência de cerca de seis mil indivíduos recenseados. Se pensarmos que só eram recenseados os indivíduos do sexo masculino com idade para cumprir o serviço militar e pagar imposto, poderemos aceitar, sem erro, que o número de habitantes seria três a quatro vezes superior, portanto aproximando-se dos vinte mil. Próximo de Canacassala localizava-se Quifula, tambem muito povoada.
Quinguimbe era outra grande povoação. Todas estavam abandonadas embora apresentassem vestígios de presença humana recente. Em Canacassala superintendia um tal Miranda Gonga, cuja habitação sobressaia entre as demais, pela grandeza e alguma manifestação de opolência, localizada num ponto destacado.
Depois de termos passado revista a toda a povoação, quando retirávamos, de regresso ao acampamento, em coluna por um, fomos atingidos por uma rajada de pistola metralhadora, semelhante à que atingiu o terreiro do café, quando da nossa chegada e a que me refiri antes.
Felizmente só foi atingido um soldado por um projéctil que lhe entrou numa nádega e saiu sem causar danos graves.
"No dia 13 foi o 3º Pelotão em patrulha de reconhecimento até à Serração, localizada a cerca três quilómetro da sede da fazenda Beira Baixa: tudo calmo.
Em 14 começou o arranjo da casa, isto é, construção de alguns apoios logísticos com carácter mais definitivo, como abrigos e pontos de vigilância periféricos.
A CC 117 voltou para Quissacala e à noite caiu uma tempestade tropical de chuva torrencial e trovoada que parecia fazer cair o Quibaba sobre o acampamento. Tudo foi suportado com estoicismo e valentia ao abrigo de panos de tenda.

O fatídico número 15 (15 de Julho -Kuanda Maúa)
O dia 15 de Setembro, na Beira Baixa, foi dramático para a CC 115.
Quando, em socorro de uma coluna de reabastecimento atacada, a Companhia sofreu dois mortos e um número indeterminado de feridos, devido a um incidente de guerra impossível de controlar.
Este episódio, se não fora a tragédia da morte de dois militares e os ferimentos em muitos outros, alguns com muita gravidade, como o caso do Régua que veio a sofrer amputação de uma perna, teria sido cómico e resumiu-se no seguinte:
Uma coluna de reabastecimento da CC 117, sob o comando do Tenente Reis, sofreu uma emboscada na sítio denominado Matanga, a cerca de dois quilómetros da Beira Baixa, onde estava baseada a CC 115. Durante a emboscada foi especialmente atingido um jeepão Dodge carregado de pessoal, de que resultaram alguns feridos incluindo o respectivo condutor. O comandante da patrulha resolveu abandonar a viatura no local da emboscada e avançar rapidamente para o acampamento de Beira Baixa a fim de socorrer os feridos.
O 3º Pelotão da CC 115 recebeu ordem para recuperar o jeepão abandonado e marchou para o local com os cuidados e precauções que a situação impunha.
Ao sair do acampamento, cruzou-se com a patrulha que entretanto chegava. No local da emboscada, após fazer uma ligeira curva para a direita logo seguida de outra para a esquerda, o 3º Pelotão foi flagelado pelo inimigo com uma rajada de metralhadora, sem consequências. Todo o pessoal reagiu saltando das viaturas e abrigando-se como poude, ao mesmo tempo que respondia ao fogo. Passado pouco tempo, parado o fogo, o inimigo não reagiu mais, mesmo depois de alguns tiros de reconhecimento.
Nesta altura o comandante da 1ª Secção, 2º Sargento Guedes, encontrava-se deitado na beira da picada e chamou o comandante do Pelotão estabelecendo-se o seguinte diálogo:
-Meu Alferes!
-O que é?
-Um tiro! E apontava para um dos seus olhos, repetindo: -um tiro num olho!
Incrédulo o alferes perguntava: - o quê?
E ele repetia:
- Um tiro num olho!
O alferes pensava: então aquele gajo devia estar morto, se levou um tiro num olho...
Aproximou-se do sargento e verificou os óculos que este exibia, com um buraco redondo, com cerca de um centímetro de diâmetro no meio de uma lente.
Perante isto disse-lhe o alferes: - homem, você devia estar morto!
O sargento Guedes respondeu pouco convicto mas convincente: - Se calhar estou!
Isto parece uma anedota, mas os camaradas sabem que se trata de uma estória verídica, ocorrida no dia 15 de Setembro de 1961, em plena picada para a Beira Baixa, e o buraco nos óculos do Guedes terá sido resultado, quiçá, de um invólucro de projéctil extraído de uma arma próxima dele.
A picada era ladeada por floresta muito densa, com árvores e muita vegetação arbórea sob as copas altas. Entretanto o Cabo Bolrão, comandante da 3ª Secção de Atiradores, que se encontrava na testa da coluna, informou o comandante do Pelotão de que já via o jeepão à sua frente, a arder, mas ainda com pouca intensidade.
Examinado o jeepão, verificou-se que ardia na caixa, e na boca do depósito de combustível havia um trapo meio queimado, mas apagado e com vestígios de sangue recente. Isto indiciava que alguém tentara incendiar o depósito da viatura e que esse alguém estaria a sangrar e provavelmente ferido. Com água dos cantis e alguma terra, conseguiu-se apagar o incêndio.
Seguiu-se depois a tentativa de fazer uma batida à zona da floresta donde o inimigo havia atacado, pedindo-se a intervenção de mais um pelotão de caçadores e apoio de fogo de morteiros 81.
Durante a execução da operação e manobras para redireccionar as viaturas, o fogo de apoio foi decorrendo normalmente, flagelando o inimigo.
Em dado momento, verificou-se uma enorme explosão na parte central do dispositivo.
À surpresa inicial acumulada com a tentativa de perceber o que se estava a passar, sucedeu a angústia e o terror da expectativa de poder repetir-se nova explosão. Isto é, eliminada a hipótese de ter sido o inimigo e sabido que não fora lançada nenhuma granada de bazooka pelo nosso operador, só restava uma hipótese possível, que era a de uma granada de morteiro 81 ter perdido o alcance normal e ter caído sobre o dispositivo, o que infelizmente se veio a confirmar. Nesse momento, ouviram-se mais detonações de lançamento de novas granadas da base de fogos no acampamento. Ao comandante do Pelotão, angustiado e impotente, apenas restou a decisão: “abriguem-se porque vem aí mais!”. Isto enquanto dava ordem à base para cessar o fogo. Passados poucos segundos, que pareceram horas, ouviram-se os rebentamentos das granadas, entretanto lançadas, na zona de impacto inicial, para a qual fora regulado o fogo.
No rescaldo da tragédia veio a apurar-se a existência de dois mortos, cujos corpos abafaram a maior parte dos estilhaços, reduzindo assim o número de vítimas mortais, e houve ainda um número indeterminado de feridos graves,(entre 15 e 20).
Os dois mortos, (municiador e remuniciador da equipa de ML Dreyse), eram os soldados nºs 984/60, JORGE AUGUSTO DOS ANJOS e 988/60, JOAQUIM FERREIRA DE BESSA.
Várias viaturas ficaram também inoperacionais, devido a terem sido atingidas por estilhaços da granada que provocaram esvaziamento dos pneus.
Com cerca de metade do efectivo vitimado, valeu o reforço entretanto enviado do Comando da Companhia.
O Tenente Cipriano Pinto assumiu o Comando da Operação in loco e o Alferes Nobre de Campos regressou ao acampamento, na fazenda “Beira Baixa”, comandando uma mini coluna fantasma constituída por duas viaturas: uma GMC,conduzida pelo soldado Arnaldo, transportando os dois mortos e cerca de vinte feridos, alguns muito graves, seguida por um WILLYS armado com metralhadora BREDA, cujo apontador também estava ferido num braço, embora com pouca gravidade. Nesta coluna fantasma apenas três pessoas estavam operacionais: os dois condutores das viaturas e o oficial que se fazia transportar no estribo exterior da GMC, porque na cabine, ao lado do condutor, vinha também um ferido.


Uma GMC igual à referida no texto acima


Jeep Willys com MP Breda instalada, igual ao citado no texto acima.
Repare-se na blindagem com chapa de bidons de 200 litros.


MVHorta disse...
QUIPETELO/FAZENDA BEIRA BAIXAPor motivos que já não me ocorrem, não segui para a Fazenda Beira Baixa com a minha Companhia. Fiquei em Quipetelo com a Companhia 116 e com o "meu Jeep" das Comunicações e respectiva guarnição. No dia 16Set, enquadrado numa coluna da "116" e no caminho para a Beira Baixa, fomos atacados pelo IN que se encontrava entrincheirado numa zona estratégica do nosso itinerário. Relatei este acontecimento num episódio avulso no "Blog http://valhor.blogspot.com - post Quipetelo/Beira Baixa".

À chegada da coluna à Fazenda Beira Baixa, o Oficial de Operações e Informações do BC 114, Capitão Lemos Pires (hoje Ten Gen na reserva) que se encontrava nessa data na Fazenda Beira Baixa, disse-me: -Reconheci-te pela voz! Comunicaste que "estamos a ser atacados" e depois estiveste uns 4 ou 5 minutos sem comunicares mais nada. Ficamos preocupados. Concretamente o que foi que se passou?

Disse-lhe então o seguinte: -O IN ao emboscar a coluna de viaturas referenciou o Jeep das transmissões ao ouvir a minha comunicação rádio dirigida à Estação Directora da Rede a comunicar o que se estava a passar. Mas como o fogo do IN passava a rasar o Jeep das transmissões e consequentemente sobre as nossas cabeças, por uns momentos, como medida preventiva, coloquei o volume do ANGRC-9 no "mute", a fim de evitar o pior. Logo que as viaturas da frente iniciaram a marcha, aumentei o volume do E/R e informei o Comandante da Companhia 115 da situação e do rescaldo da operação.

Em termos de vulnerabilidades as redes rádio, que operavam em HF (Onda Curta) eram passíveis de ser escutadas com relativa facilidade, sem qualquer possibilidade de tal facto ser detectado. Qualquer simples receptor podia inadvertida ou propositadamente, captar a emissão daquelas redes desde que estivessem reunidas determinadas condições técnicas, tais como proximidade física, condições de transmissão, etc. Acontecia, porém, que nas deslocações os radiotelegrafistas não colocavam os auscultadores porque o capacete de aço dificultava a sua colocação e obviamente também eram facilmente referenciados pelo IN. Até então, as comunicações consideradas mais seguras eram aquelas transmitidas em "morse", quer o conteúdo da mensagem fosse cifrada, (protecção criptográfica que é resultante da conversão de linguagem clara para linguagem ininteligível, destinada a proteger as comunicações contra intercepção não autorizada), ou em claro. As situações de excepção só se realizavam quando a urgência na comunicação fosse absolutamente essencial e a informação já não pudesse ser explorada em tempo útil e não se dispusesse de outros meios mais seguros "scramblers".
Sábado, 20 Setembro, 2008.

PS. Pareceu-me oportuno transcrever para aqui o texto do MVHORTA, pelo que tem de realismo e por abordar um aspecto tão importante nas operações militares, as comunicações.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Justificação de ausência

Uma irritante avaria no meu PC obrigou-me a estar ausente nestes dias de Setembro que em 1961 foram de grande actividade operacional para todas as companhias do Batalhão 114.
Agora que já está tudo resolvido, voltaremos aos nossos posts cronologicamente dispostos e enriquecidos com algumas fotos alusivas às várias situações que foram ocorrendo.
Não posso deixar de convidar os leitores a ver o comentário do mvhorta, muito rico de conteúdo, pela descrição realista que faz da progressão da CC 115 através da floresta virgem, entre Quipetêlo e Canacassala.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

CC 115 - Operação Viriato (continuação)


Voltemos de novo à guerra porque ela continuou em 1961 e neste mes de Setembro , com grande intensidade. As Companhias 116 e 117, acampadas em Quipetêlo e Quissacala, respectivamente, tinham sido bastante massacradas nos últimos tempos e a CC 115, em Balacende, procedera a diversas operações de exploração e limpeza da região, nomeadamente em Quixona e depois em Magúia, onde a colaboração dos T-6, sob o comando de Tenente Luzia da Silva, fora de grande préstimo na protecção e até distracção da tropa de infantaria, devido às piroetas que faziam sobre a coluna em progressão.
O objectivo era Nambuangongo e a Companhia mais avançada estava em Quipetelo, (CC 116).
Tornava-se necessário chegar a Beira Baixa. Para tanto a CC 115 foi incumbida de progredir, a pé, por um itinerário alternativo e assim em 8 de Setembro, ao alvorecer, sai de Quipetelo, por um caminho de pé posto, através da floresta, indicado por um guia que afirmava conhecer o caminho até Canacassala e Beira Baixa.
A caminho da Beira Baixa. - 08SET61

Atravessando uma linha de água, vendo-se à direita o guia negro, David e à esquerda uma equipa de M.L. Dreyse, com o apontador transportando a metralhadora e o municiador transportando o cano de reserva e os carregadores de munições.


Outro plano da coluna atravessando a linha de água e infiltrando-se na floresta


A mais valia foi apenas o conhecimento profundo da floresta tropical africana, naquilo que ela tem de mais imponente. Ficou-nos, a todos de certo, gravada aquela imagem da plantação de café em flor, num gigantesco vale coberto pelas copas altíssimas e cerradas, sustentadas por troncos de "sekóias", quiçá, com mais de cinquenta metros de altura. Era uma gigantesca estufa natural, jamais vista, mesmo em fotografias do "National Geographic".


Os caféeiros floridos que se vêem distintamente brancos tem cerca de 3 metros de altura, a palmeira que se vê à direita terá seguramente mais de 10 metros e as copas das “sekóias” que não foi possível captar, a que altura estarão?

O Médico Dr Correia Simões, de peito aberto aos canhangulos inimigos, progride pelo carreiro em plena zona de savana com capim alto.

Um pormenor do trajeto na direcção de Quifula e Canacassala.
Depois de percorrida uma grande distância através da floresta, por meio de plantações de café e mata não tratada, a vereda extinguiu-se e o guia perdeu o sentido de orientação, dizendo que não sabia por onde progredir, pelo que a coluna fez meia volta e regressou a Quipetelo, sem mérito e sem glória.

Já de regresso, atravessando a mesma linha de água, agora em semtido contrário. Começa a ver-se o desalento dos militares.

Já perto do acampamento, é notório o cansaço, com alguma desilusão estampada nos rostos: fora um dia de sacrifício pesado para afinal regressar ao ponto de partida, sem atingir o objectivo.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Numismática - mais um pouco de história





Com a devida vénia, "roubei" a http://valhor.blogspot.com estes maravilhosos exemplares de cédulas monetárias, comumente designadas por notas.



Seguem-se dois exemplares, ou melhor as duas faces da nota de 100 KUANZAS, já impressa após a independência, provavelmente fazendo parte da primeira série.

Seguem-se dois espécimes de 10000 e 500000 kuanzas, bem significativos da inflacção galopante que invadio a República Popular de Angola nos tempos difíceis da guerra civil.


A figura "palancas pretas" da nota de 10 000 Kwanzas, do Banco Nacional de Angola, ano de 1991, é idêntica às figuras das notas de 1 000$00 (Barragem das Mabubas), do Banco de Angola, emitidas nos anos de 1956 e 1970, figuras das personagens Brito Capelo e de Américo Tomás, respectivamente. Valhor, dixit.





ANTES DA INDEPENDÊNCIA




Embora o Banco de Angola fosse a entidade privilegiada para as emissões nesta antiga colónia portuguesa, existem também no período aqui descrito outras entidades envolvidas (emitentes).

Assim, sempre que a emissão não seja do Banco de Angola, é indicado a entidade emissora: BNU (Banco Nacional Ultramarino); GGA (Governo Geral de Angola); JM (Junta da Moeda) e GP (Governo Provincial).
A emissão das primeiras notas, em escudos, de $50 (G.P.); 1$00 (BNU); 2$50 (BNU); 5$00 (BNU); 10$00 (BNU); 20$00 (BNU); 50$00 (BNU) e 100$00 (BNU), foram emitidas em 01/01/1921.
Entretanto também houve emissões de “papel moeda” em Angolares no período compreendido entre 1926 e 1952.
A partir desta data, as referidas instituições bancárias emitiram novamente notas em escudos em detrimento dos angolares.
As notas de Angola, gozavam de livre convertibilidade somente naquela ex-colónia. O País obrigava a que as reservas mínimas correspondessem à circulação fiduciária, com o objectivo de manter a confiança na moeda corrente angolana.
Durante o tempo em que a CC 115 permaneceu em Angola, as notas em circulação eram emitidas em escudos. Todavia, os comerciantes locais e outros, sempre que a oportunidade surgisse, transaccionavam escudos de Angola por escudos de Portugal Continental numa percentagem compreendida entre os 75% a 80%, não obstante argumentarem que o valor do escudo angolano (-) era igual ao valor do escudo metropolitano português (+).
Esta preocupação dos colonos portugueses em ter na sua posse dinheiro de Portugal Continental, era um sinal de que existia já nessa altura alguma desconfiança em relação ao panorama político actual, até porque, de ex-colónia para ex-colónia portuguesa, o dinheiro que circulava numa colónia, não era aceite em nenhuma das outras colónias.
Em relação ao dinheiro amoedado angolano, circularam a “macuta” desde 1848 até sensivelmente 1926 data em que foi cunhada a última “macuta” (Metal: Cobre e Alpaca). A partir de 1928 e até 1974 entraram em circulação as emissões em “escudos” (Metal: Bronze, Cupro-Níquel, Alumínio; Alpaca e Prata).
Nota: -Este texto histórico-descritivo é da autoria do Companheiro Valadas Horta, que também é o proprietário dos originais das notas aqui reproduzidas.







A propósito dos nomes das várias unidades monetárias usadas em Angola, vem a propósito referir, alem do escudo e do angolar, a macuta e o sauevo, alem de possivelmente outros que não conheço.

O angolar foi unidade monetária muito divulgada por toda a Província e ele seria uma tentativa de uniformizar as diversas unidades monetárias existentes. Mais tarde seria substituído pelo escudo angolano, designação idêntica à da Metrópole Portuguesa.

Mas muito interessantes são as designações de sauevo e macuta! O sauevo era e moeda de 2$50, que no Alto Zambeze era aceite como unidade monetária. Lembro-me de, em Lumbala, assistir à venda de tecas de carne de boi, talvez com um quilo cada uma, por um sauevo, (2$50).

Quanto à Macuta, de origem no norte de Angola e comum à República do Congo, há que ter em conta que é um erro dizer "macuta". Deveria dizer-se uma "licuta" e duas "macuta". Tem razão os Congoleses quando dizem: "un licute et deux macute" em francês. Isto porque há que ter em conta um fenómeno linguístico, de certo modo comum entre as etnias da região, que consiste em formar os plurais das palavras com prefixos, em vez de sufixos, como as línguas europeias.

Assim, entre os Luenas, Lundas e Quiocos do Alto Zambeze, diz-se: lisso, (um olho), messo,(dois olhos); lituitui, (uma orelha), matuitui, (duas orelhas), etc, etc... o prefixo "li" designa singular e o "ma" é plural. Por exemplo, os Luenas diziam "Malfelo", para significar Alferes, por julgarem ser um plural, uma vez que tinha um "s" no fim da palavra.