Depois do incidente que relatei abaixo a Companhia sofreu outro forte abanão, pois foi quase outro pelotão que ficou destroçado, agora o primeiro, do comando do Alferes Freitas.
O terceiro Pelotão mantinha-se com dois feridos ligeiros nas sete curvas e o Régua que teve de ser evacuado com uma perna esfacelada no incidente de 15 de Setembro, portanto era o mais operacional, digamos assim. Por isso andava quase permanentemente fora do acampamento em missões diversas de patrulha e vigilância sobre os itinerários, ocupando pontos estratégicos de modo a evitar emboscadas às patrulhas motorizadas vindas de Quipetêlo, incidindo especialmente na zona da Serração e bifurcação para Canacassala.
Apesar disso não foi possível evitar que uma patrulha de reabastecimento, vinda de Quissacala, (CC 117), fosse atacada no sitio de Matanga, no dia 22 de Setembro, felizmente sem consequências.
Essa patrulha de reabastecimento foi muito importante porque trousse componentes necessários para nesse mesmo dia ser inaugurada a luz eléctrica na Beira Baixa, um melhoramento importante para o bem estar do pessoal e melhoria das condições de vigilância durante a noite.
No dia 25 chegou à Beira Baixa e integrou-se em reforço da CC 115, uma Bateria de Artilharia pesada.
Aqui está uma peça de Artilharia de Campanha, uma das que não nos deixavam dormir de noite e muita confusão, senão terror, deverão ter causado aos refugiados nas florestas dos Dembos.
INÍCIO DA TERRAPLANAGEM PARA A PISTA DE AVIAÇÃO
Depois de alguma normalidade na permanência na fazenda Beira Baixa, em 28 de Setembro tiveram início as obras de terraplanagem para construção da uma pista para aterragem de aviões naquela zona de floresta muito densa. Isto só foi possível depois de uma grande desmatação com corte de muitas árvores de grande porte, o que exigiu bastantes meios envolvidos da arma de engenharia.
ALFERES BARRILARO RUAS
Entretanto as operações de segurança e patrulhamento não pararam e os reabastecimentos também não e os ataques e emboscadas dos insurrectos também não!
A Matanga era um local propício a emboscadas, ali se dera o incidente de 15 de Setembro, e por isso eram sempre tomadas precauções especiais quando vinha alguma patrulha de reabastecimento, para evitar que ali fosse atacada, promovendo-se patrulhas de vigilância e prevenção, que ocupavam os morros limítrofes, dos pontos mais propícios àqueles actos de guerrilha, tão frequentes. Independentemente disso as patrulhas, em movimento, faziam tiros de exploração para os pontos mais suspeitos, o que obrigava as nossas patrulhas a tomar medidas de defesa, no sentido de não serem atingidas pelo fogo amigo.
No dia 29 saíra uma patrulha da CC 117, estacionada em Quissacala, e o 3º Pelotão, do Alferes Noca, foi ocupar um morro longitudinal à picada, entre esta e a Serração.
A dada altura ouviram-se os motores das viaturas que passavam na picada, mas tiros de exploração e reconhecimento, como era habitual, nada. Silêncio completo! O que causou estranheza a todos, pela inusitada ausência daquela manobra de detecção do possível inimigo, cuja localização era sempre desconhecida.
Cumprida a missão, o 3º Pelotão regressou ao acampamento e antes de chegar foi notada a chegada de um helicóptero, o que também causou admiração e surpresa, por ser a primeira vez que tal acontecia naquele acampamento.
O facto é que a patrulha da 117 era comandada pelo Alferes Barrilaro Ruas e fora atacada a 2 Km de Quipetêlo, numa emboscada em que um atirador especial atingiu deliberadamente o alferes, com um único tiro, em zona mortal.
Na expectativa de salvar o Alferes Ruas, foi pedido o helicóptero, mas já sem sucesso, porque ele estava morto.
Este episódio foi muito sentido por todos e até pelas altas esferas, por várias razões:
- Foi mais um dos nossos que morreu;
- O Alferes Barrilaro Ruas era um oficial distinto quer sob o aspecto humano quer profissional: fora o 1º classificado do Curso de Oficiais Milicianos de 1960. Prezo-me de o ter tido como camarada de Pelotão no COM, em Mafra;
- Naquele dia ele foi escalado para comandar aquela patrulha por ter regressado de Luanda no dia anterior, onde fora esperar a sua esposa, chegada da Metrópole, acompanhada de um filho de meses, que o pai, Alferes Ruas, ainda não vira antes;
- Porque o tempo estava frio, era manhã cedo, o Alferes Ruas vestia o seu casaco de cabedal verde azeitona ostentando os galões dourados de alferes, o que facilitou a identificação pelo atirador e por isso dizemos atrás que foi "deliberadamente" atingido pelo inimigo.
Com a devida vénia, transcrevo o post que MVHORTA colocou no seu blog:
Fazenda Beira Baixa
Na Fazenda Beira Baixa, o reabastecimento às nossas tropas, era difícil devido ao facto dos guerrilheiros da UPA montarem emboscadas diárias às patrulhas que reabasteciam as tropas ali acantonadas. Recordo que, durante uns três dias, esgotaram-se as rações de combate e nem sequer havia bolachas de água e sal para, ao menos, “enganar o estômago”. Nesse período, houve apenas e no máximo, duas refeições diárias. O pequeno almoço não ia além de um púcaro de café, desacompanhado de pão ou bolacha. Ao almoço, a refeição era única e simplesmente: macarrão com chouriço, e, à noite, para variar!… chouriço com macarrão. Por vezes houve necessidade de recorrer ao reabastecimento aéreo, pouco prático porque os pesados sacos com os víveres, ao serem lançados de uma altura bastante considerável para o interior do aquartelamento, batiam estrondosamente no solo e ficavam em muito mau estado de utilização, não deixando, por isso, de serem convenientemente aproveitados. Numa das patrulhas de reabastecimento terrestre, foi morto, numa emboscada do IN, o Alferes Barrilaro Ruas, da CC 117. No âmbito da toponímia, a autarquia de Lisboa, em sessão de câmara, deu o nome, desse mártir da guerra colonial, a uma rua da capital. Trata-se da Rua Alferes Barrilaro Ruas, em Santa Maria dos Olivais. Situa-se entre a Rua General Silva Freire e a Rua Sargento Armando Monteiro Ferreira (Bairro Olivais Norte). Deste episódio, e não só, falará o meu amigo Alferes, Nobre de Campos, no Blog CC 115, porque foi ele quem, com o seu 3º. Pelotão, avançou em socorro dessa coluna de reabastecimento tendo o pelotão sido também flagelado pelo IN, logo que chegou ao local. Refiro apenas que a CC 115, sofreu ali mais 2 mortos e alguns feridos com gravidade.
Nota: esta referência do MVHORTA merece figurar neste blog, pelo seu conteúdo realista, descrito por quem viveu esses dias difíceis da Beira Baixa. Apenas se rectifica que não foi no dia em que morreu o Alferes Ruas que a 115 sofreu os 2 mortos e vários feridos, mas sim em 15 de Setembro, como já referi noutro post. Incluo ainda o comentário que fiz no post do MVHORTA.
NOCA disse...
O Alferes Barrilaro Ruas, Oficial da CC 117, foi o Cadete melhor classificado da Escola de Oficiais Milicianos de 1960, na EPI.A sua morte foi trágica, como a de todos os outros militares mortos em combate. Mas tornou-se muito notória pelas circunstâncias que a envolveram: a CC 117 estava estacionada em Quissacala ou Kiptêlo, não posso precisar bem, e ele havia beneficiado de uns dias de dispensa para ir a Luanda receber a esposa que vinda da Metrópole, pretendia acompanhar o marido, Alferes Barrilaro Ruas. Porque a zona onde a sua companhia se encontrava não oferecia segurança, a esposa teve de ficar em Luanda e ele regressou à sua unidade.Regressado, foi o primeiro da escala para comandar uma patrulha de reabastecimento à CC 115 que se encontrava na Beira Baixa. Saindo a patrulha motorizada do seu acampamento e percorridos poucos quilómetros, ao atravessar uma zona em que a picada era dominada por uma colina pelo lado direito, um atirador emboscado, não teve dificuldade em identificar o comandante da patrulha que,imprudentemente e por estar frio, era portador de um casaco de cabedal e com os galões dourados a brilhar. Com um tiro certeiro atingiu o Alferes Ruas numa zona mortal. Verificaram-se ainda mais dois feridos ligeiros.
O 3º Pelotão da CC 115 recebeu a missão de ocupar pontos sensíveis junto à picada a percorrer pela patrulha, o que aconteceu. Nesse dia, os elementos da patrulha motorizada que habitualmente faziam tiros de reconhecimento para locais ao longo da picada mais propícios a emboscada, não fizeram um único tiro de reconhecimento e as viaturas marchavam em velocidade muito acelerada, apenas se ouvindo o ruído dos motores, o que causou surpresa ao comandante do 3º Pelotão, vigilante ao longo da referida picada.
Passada a patrulha, e regressando ao acampamento, o comandante do 3º Pelotão foi surpreendido pela notícia da morte do seu camarada e grande amigo desde o COM em Mafra, onde faziam parte do mesmo Pelotão de Instrução."We don't need another hero!"
21 de Maio de 2008 11:35