quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

2º Dia de instrução aos recrutas

31 de Janeiro de 1961, segundo dia de instrução aos recrutas no RI 3, Beja, como noutros centros de instrução pelo país.
Dada a grande quantidade de mancebos incorporados, vindos especialmente dos meios rurais, onde mais de 90% dos indivíduos eram analfabetos e ganhavam a vida em trabalho braçal, apareceram os casos mais invulgares de atraso psíquico e mesmo físico.
A tropa era, naqueles tempos, a grande escola onde os rapazes aos 20 anos iam aprender modos e comportamentos de cidadania que lhes tinham sido negados até essa idade nos seus círculos de vivência rural.
A mim coube-me em sorte um pelotão de 36 jovens quase todos oriundos dos montes entre Mértola, Alcoutim, Almodôvar e São Brás de Alportel, isto é, das serras entre o Alentejo e o Algarve, consideradas naquela época, tal como ainda hoje, a zona do país mais abandonada e desprovida dos benefícios do progresso.
Todos generosos, mas muito rudes, ainda me recordo como foi necessário ensinar-lhes as primeiras noções de higiene e o modo de utilização dos elementos de uso postos ao seu dispor, para conviverem em conjunto na comunidade militar.
Havia os fisicamente deformados pelo trabalho braçal: recordo especialmente um homem, natural de Marinhais, Salvaterra de Magos. De tez bronzeada pela intempérie, era atarracado e forte, qual touro da lezíria donde provinha. Só que os braços fortes e pulsos largos estavam praticamente inarticulados, devido ao muito tempo de uso dos cabos de ferramentas agrícolas, nomeadamente enxadas. Nas mãos, os dedos não abriam até à posição normal de mão aberta, mas antes ficavam sempre arqueados como pegando no cabo da enxada. Os pulsos, completamente perros e sem articulação e os braços dificilmente se esticavam ao longo do corpo.
Foi necessário pôr este homem a fazer exercícios intensivos e adequados, para recuperação dos movimentos e posição correcta dos membros.
Como este, outros casos estranhos aconteciam, como aquele recruta que desatou a chorar quando o comandante do pelotão mandou toda a gente tomar banho, depois de terem ido ao barbeiro cortar o cabelo à escovinha, como então se dizia, (hoje seria à maquina zero).Perguntado porque chorava, respondeu em pânico: "é kê nã sei abanhaari!"

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