31 de Janeiro de 1961, segundo dia de instrução aos recrutas no RI 3, Beja, como noutros centros de instrução pelo país.
Dada a grande quantidade de mancebos incorporados, vindos especialmente dos meios rurais, onde mais de 90% dos indivíduos eram analfabetos e ganhavam a vida em trabalho braçal, apareceram os casos mais invulgares de atraso psíquico e mesmo físico.
A tropa era, naqueles tempos, a grande escola onde os rapazes aos 20 anos iam aprender modos e comportamentos de cidadania que lhes tinham sido negados até essa idade nos seus círculos de vivência rural.
A mim coube-me em sorte um pelotão de 36 jovens quase todos oriundos dos montes entre Mértola, Alcoutim, Almodôvar e São Brás de Alportel, isto é, das serras entre o Alentejo e o Algarve, consideradas naquela época, tal como ainda hoje, a zona do país mais abandonada e desprovida dos benefícios do progresso.
Todos generosos, mas muito rudes, ainda me recordo como foi necessário ensinar-lhes as primeiras noções de higiene e o modo de utilização dos elementos de uso postos ao seu dispor, para conviverem em conjunto na comunidade militar.
Havia os fisicamente deformados pelo trabalho braçal: recordo especialmente um homem, natural de Marinhais, Salvaterra de Magos. De tez bronzeada pela intempérie, era atarracado e forte, qual touro da lezíria donde provinha. Só que os braços fortes e pulsos largos estavam praticamente inarticulados, devido ao muito tempo de uso dos cabos de ferramentas agrícolas, nomeadamente enxadas. Nas mãos, os dedos não abriam até à posição normal de mão aberta, mas antes ficavam sempre arqueados como pegando no cabo da enxada. Os pulsos, completamente perros e sem articulação e os braços dificilmente se esticavam ao longo do corpo.
Foi necessário pôr este homem a fazer exercícios intensivos e adequados, para recuperação dos movimentos e posição correcta dos membros.
Como este, outros casos estranhos aconteciam, como aquele recruta que desatou a chorar quando o comandante do pelotão mandou toda a gente tomar banho, depois de terem ido ao barbeiro cortar o cabelo à escovinha, como então se dizia, (hoje seria à maquina zero).Perguntado porque chorava, respondeu em pânico: "é kê nã sei abanhaari!"
quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
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