Kuanda Maúa não era um ponto estratégico importante que merecesse ficar ocupado, mas apenas um ponto de passagem onde, episodicamente, houve necessidade de a tropa permanecer por algum tempo, primeiro como testa de ponte para permitir segurança aos trabalhos de reconstrução da Ponte sobre o Lifune e, num segundo tempo, para recuperação a seguir ao "Combate de Quicabo".
Obtidos esses dois objectivos, em 24 de Julho de 1961, A CC 115, integrando uma coluna militar que incorporava o Comando do BC 114, saiu de Kuanda Maúa em direcção a Quicabo, onde chegou por volta do meio dia, onde já se encontrava, há três dias, a CC 117. A progressão da coluna desde Kuanda Maúa até Quicabo foi apoiada pela Força Aérea. A fotografia supra documenta essa acção precisamente no ponto de partida da coluna militar.Este apoio foi fundamental para o bom desenvolvimento das operações, não só pela intervenção armada utilizando as armas a bordo das naves aéreas, mas de um modo especial pelas informações que vinham do ar. Aí os nossos radiotelegrafistas foram de uma total eficiência estabelecendo as ligações e recolhendo as informações preciosas para cada momento.
Depois da Bandeira Nacional içada sobre as ruínas da casa do Chefe de Posto, aqui foi instalado o Comando do BC 114, designado por FORTE DE QUICABO
Uma foto informal depois da chegada a Quicabo, frente ao único edifício não totalmente destruído: O Posto Médico.
Finalmente podíamos cozinhar alguns géneros sêcos, nesta cozinha improvisada.
A operação da colheita da água era muito arriscada e exigia uma vigilância permanente. Aqui, um apontador de metralhadora mantem a segurança ao grupo que recolhe água no Lifune, perto de Quicabo.Elementos do 3º Pelotão recolhendo água no Lifune, junto a Quicabo, com as armas por perto e sob a protecção do vigilante apontador da ML Dreyse, ajudado pelo canídeo para dar o alerta.
O Excesso de Confiança podia ter sido fatal
O excesso de confiança não é bom conselheiro, como se verá.
O baptismo de fogo sete dias antes em Quanda-Maúa, dera ao pessoal um sentido de descompressão tal, que, ao chegar àquilo que fora uma povoação muito populosa e agora eram uns restos de palhotas queimadas e um Posto Administrativo em ruínas, cercados por lavras de mandioca, alguns resolveram fazer um reconhecimento pelos arredores.
Os cabos "RDs" que haviam feito comissões na Índia e em Macau, foram os primeiros a avançar para a exploração. As refeições não eram abundantes e a fome convidava à procura de alternativas. Encontraram uns frutos secos que os "experientes" cabos "RDs" disseram ser iguais a outros que eles haviam encontrado na Índia e eram comestíveis.
Após e ingestão descontrolada do referido fruto seco, mais de metade da Companhia entrava em estado de perigosa intoxicação, entrando uns em estado comatoso, outros com paralisias parciais. Valeu na altura, a pronta e criteriosa intervenção dos médicos do Batalhão e Companhia, que aplicaram os vomitórios e anti-tóxicos disponíveis.
Mas o cómico, no meio do infortúnio, foi que, ao fazer a chamada da Companhia para verificação das faltas, no 3º Pelotão faltava o corneteiro, por sinal o melhor corneteiro do Batalhão, (era um prazer acordar ao som da alvorada tocada pelo Manuel Lopes Marinho, assim se chama o nosso querido corneteiro que é de Fervença - Celorico de Basto).
Procurado o corneteiro do 3º Pelotão, veio o mesmo a ser encontrado inanimado, por detrás de um "embondeiro",(sempre um embondeiro).
Retirado o homem, qual não foi o espanto quando surge no mesmo local, enrolada e quietinha, uma perigosa "surucucu". E agora? De que sofrerá o corneteiro? De intoxicação alimentar por ter ingerido frutos tóxicos, ou de envenenamento por picada da surucucu?
Sendo-lhe aplicada a mesma receita que aos outros, reagiu bem igualmente e recuperou. A surucucu deve ter gostado do calor do corpo do corneteiro e não lhe picou, ou então ao mordê-lo, já intoxicado, também ela ficou sonolenta e adormecida.(?!!!)
A verdade é que a CC 115 estava operacionalmente recuperada do embate sofrido em Quanda-Maúa e agora, recompletados os seus efectivos, estava pronta para avançar rumo a Nambuangongo, como exigia o planeamento das operações.
· SURUCUCU- víbora africana de veneno mortíferoDepois de muito trabalhinho o acampamento, "Forte de Quicabo" ficou um brinquinho! Pronto para receber a época das chuvas!
Vista de Quicabo a partir da elevação M'Zula que lhe é sobranceira. Ao fundo vêem-se os montes de Birila.
Neste espaço, relativamente plano, deu-se, em breve, início à construção da pista para pequenas aeronaves, para garantir o transporte de pequenas cargas e evacuação de feridos.
3 comentários:
QUICABO
Esta localidade encontrava-se completamente destruída, inclusive, a antiga casa do Chefe de Posto só tinha os muros.
Apesar das pesadas baixas sofridas em Quanda-Maúa a CC 115 instala-se no quadrado de arame farpado, onde já foi possível montar algumas tendas para acolher os militares.
Entretanto os estrategas militares do BC 114 projectam operações de alguma envergadura em redor desta localidade que posteriormente foram levadas a efeito com o secretismo que se impunha, mercê também de uma excelente leitura do terreno envolvente e da própria situação, a fim de obter o efeito surpresa sobre o IN que "espreitava" das imediações.
Logo que a CC 115 se instalou em Quicabo, cada um tenta "desenrascar-se" lavando uma ou outra peça de fardamento, impregnada de sujidade; só que o abastecimento de água ainda não se fazia sentir com regularidade. Numas selhas (meio barril de madeira), colocava-se-lhe uma pequena porção de água dentro e, toca a lavar!..., com sabão azul (sabão macaco). Quando chegou a minha vez, já não havia mais água; decido-me por aproveitar a água onde um outro camarada de armas já tinha mergulhado as suas calças. Ensaboei e esfreguei ali uma camisa e um par de calças e fui estender os referidos artigos no arame farpado do aquartelamento. A seguir fui fazer a "exploração rádio" e passado algum tempo fui buscar as peças de roupa que tinha a enxugar. Junto destes artigos de fardamento estavam dois colegas meus a rir à gargalhada. Motivo: as péssimas condições em que ficou aquela roupa, depois de "lavada" .
Não tive outra alternativa que não fosse a de colaborar na "festa" e de posteriormente submeter a roupa a uma boa barrela!...
No desfiar de recordações, ocorre-me a operação de patrulhamento na zona de Quicabo, mais concretamente aos morros de Birila, onde existia uma sanzala com algumas cubatas, aparentemente abandonada (mas havia por lá galinhas!).
Por não se saber o que iríamos ali encontrar, o pelotão de artilharia, sedeado em Quicabo e comandado pelo alferes Ruivo? de Oliveira, sob a orientação do Comandante da CC 115, por volta do meio dia, bombardeou aquela zona com tiros de artilharia. Recordo algumas palavras (ordens) do CMDT da Companhia, via TSF: - Oh Oliveira, dispara daí (Quicabo) umas azeitonas para a encosta do morro..., + 1 para...; + outra para...", orientado pela carta topográfica da região.
As granadas de artilharia disparadas de Quicabo passavam preciasamente a "rasar" as nossas cabeças emitindo um silvo ensurdecedor de ficar arrepiado!...
Na parte da tarde exploramos (batemos) toda a encosta de Birila. O pessoal embrenhado naquela mata densa atingiu a parte mais alta completamente extenuado. De tão cansados e a lamuriar, alguns soldados deitavam-se sobre o capim; um deles (o soldado 534 - Laurentino) careceu de ajuda médica. Entretanto, meio a sério, meio a brincar, até porque a situação exigia ânimo e o local não aconselhava uma paragem demorada da "bicha do pirilau", dizia um superior hierárquico: - Vocês não querem vir? Garanto que os leões hoje não passarão fome.
Claro! Que ninguém era deixado para trás!
Contudo ao atingirmos a parte mais alta do morro, fomos "recebidos" a tiro. Uns fogachos esporádicos que tiveram resposta imediata.
Foi aqui que eu apanhei um dos maiores sustos da minha vida:
A fim de asseguar a ligação rádio com a testa do "pirilau" recebi ordem para ficar na retaguarda da coluna por um. Apenas uma secção de atiradores seguia atrás de mim naquele denso matagal. Logo que se desencadeia o tiroteio, não sei bem como nem porquê, os elementos que seguiam à minha retaguarda, ultrapassaram-me rastejando ou não sei como, e, logo que o "fogo" abrandou, olho para a minha retaguarda e não vejo rigorosamente ninguém! Em posição de ataque lá dei uma corrida e vi então o último atirador da secção, uns metros mais à frente. Lá ocupei de novo o meu lugar, mas não deixei de apanhar um valente "cagaço"!... Ainda andei alguns dias a pensar nisso!!!...
À noite "descansamos" por aquelas bandas, sobre uma esteira de capim verde que tivemos que cortar. A minha manta nessa noite, foi o lenço verde com que cobri a cara para que não fosse "devorado" pelos mosquitos. Com a cacimbo que caiu durante a noite, o lenço ficou completamente encharcado.
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