Avanço para Quicoche-Mimbota (SETE-CURVAS) 27 a 31 JUL61
Após dois dias em Quicabo a CC 115 recebeu ordem para, integrando uma coluna constituída por duas companhias de caçadores (CC 115 e CC 117), reforçadas com Can S Rec, Sapadores e um buldozer D-8 e apoiada pela Força Aérea, abrir o itinerário para norte, a caminho de Balacende.
Sabia-se, e o PV2 da FAP confirmou, que a picada até Quicoche estava repleta de abatizes e valas.
Saída de Quicabo ao romper da manhã, cedo começaram os obstáculos na picada: eram árvores enormes e tantas que o buldozer e as motos-serra não tinham descanso, e a progressão era a passo de caracol.
Percorremos lentamente a "baixa das palmeiras", um vale repleto de grandes palmeiras, ao longo do qual, ladeando a linha de água pelo sopé da encosta adjacente à direita, se desenvolvia a picada estreita e repleta de abatizes, que iam sendo removidas pelo D-8 e motos-serra dos sapadores.
De tal modo que passadas dez horas de progressão, teríamos avançado uns seis quilómetros.
Eram cerca das cinco horas da tarde e o sol caía no horizonte, ali muito limitado devido à proximidade dos montes Quiunenes, onde sobressai o N'ZOA, quando a testa da coluna entrou numa zona de ravina e progrediu através de uma encosta sinuosa, com talude alto na direita.
A máquina terra planadora ia à frente retirando as abatizes, sempre protegida por atiradores apeados. O local chama-se SETE CURVAS e é especialmente propício para nele fazer emboscada. A coluna era muito grande, não cabendo toda na zona de morte. Por isso o inimigo, aguentando até ao máximo, deixou que a testa da coluna ultrapassasse a equipa de detenção à frente e só atacou, quando o maior número de viaturas estava na zona de morte.
A secção de atiradores que fazia a segurança do buldozer chegou a estar a menos de cinco metros dos combatentes emboscados, sem que estes reagissem, demonstrando grande disciplina na actuação.
Desencadeado o ataque, em circunstâncias de grande vantagem para os combatentes inimigos que dominavam toda a extensão da coluna, sem possibilidade de serem desalojados das valas longitudinais que haviam preparado, valeu às nossas tropas a forte reacção de fogo de tiro tenso, embora em inferioridade posicional.
As granadas de mão não puderam ser utilizadas devido à densidade da vegetação. As que foram lançadas não explodiam porque eram amortecidas pela vegetação, ou, na pior hipótese, vinham cair sobre as viaturas com grave perigo para as nossas tropas. No final da refrega o inimigo retirou, depois de ter causado um morto e vários feridos ligeiros, quase todos por zagalotes. Recordo que no Unimog em que eu seguia sentado na caixa do mesmo, no meio da secção de atiradores, verificaram-se três feridos com zagalotes: dois na região dos ombros de frente e outro no pescoço, junto das cervicais, felizmente sem gravidade. Eu fiquei no meio do tiro porque um dos feridos ía à minha direita, outro à minha esquerda e o outro à minha rectaguarda, de costas para mim pelo que foi atingido na parte posterior.
Entretanto fazia-se noite e a coluna teve de sair rapidamente da zona de morte e estacionou 500 metros à frente, onde surgiu um local propício, mesmo em Quicoche.
O meu pelotão seguia na vanguarda e foi portanto o primeiro a sair da "zona de morte" e a atingir o ponto que pareceu adequado ao acampamento, pelo que em acordo com o Comandante da 117, Capitão Marques Pereira, se decidiu começar a limpeza do terreno fortemente ocupado de capim e arbustos altos de toda a espécie. O D-8, buldozer, abria uma clareira e logo era ocupada com uma viatura e assim sucessivamente até instalar todas as viaturas e seus ocupantes.
Ali se fez imediatamente um círculo com as viaturas viradas para o exterior, para eventual iluminação da periferia/campo de tiro durante a noite, com os faróis das mesmas, em caso de ataque nocturno.
Nessa noite já não foi possível fazer o reconhecimento da área da emboscada e arredores, devido à total falta de visibilidade. Tal só aconteceu no dia seguinte, verificando-se a existência de uma exemplar organização do terreno, sendo encontradas valas para abrigo dos atiradores ao longo de todas as sete curvas e recuperadas bastantes munições e invólucros de balas, abandonados pelo inimigo em fuga. Encontrámos ainda muitas granadas ofensivas por detonar que haviam sido lançadas pelos nossos militares, mas não rebentavam devido à ausência de choque por serem amortecidas na queda pela vegetação densa existente. Era uma granada canadiana, de plástico, que rebentava por choque.
Pela dimensão do terreno organizado, pudemos concluir que a emboscada estava preparada para um grande número de combatentes e pode seguramente presumir-se que o seu número foi substancialmente diminuído, por terem morrido muitos no Combate de Quicabo, em Kuanda Maúa.
No dia seguinte, o 3º Pelotão da CC 115 foi em patrulha a Quicabo levar o morto e os feridos, que, embora ligeiros, precisaram de assistência sanitária específica que não podiam receber na frente.
Nos três dias que se manteve em Quicoche, a força limpou a zona, nomeadamente localizou um acampamento abandonado pelos guerrilheiros, onde ainda havia camas, (sítios para dormir), comida recentemente confeccionada e outros vestígios denunciadores da grande utilização recente. Era a base de apoio dos guerrilheiros enquanto preparavam o terreno no local da emboscada.
É oportuno transcrever aqui um extrato do Relatório Oficial relativamente a este assunto:
"(3) Em 30, foi realizada uma operação de limpeza pela CC 115 na região a Sul das SETE CURVAS, tendo verificado a forte organização, donde o In realizou a emboscada. Foram localizados os itinerários de aproximação muitíssimo bem camuflados e recuperaram-se envólucros de cartuchos de 9, 7,9 e 10,5 mm. De salientar, seguindo um trilho, foi encontrado escondido numa árvore, um lote de medicamentos, que, concerteza, os terroristas não conseguiram recuperar, na precipitação da fuga.
Nesse mesmo dia, a CC 117 fez o reconhecimento do itinerário de Balacende até ao desvio para MIMBOTA, encontrando apenas vestígios de pegadas de pé descalço e sapatilhas, na picada."
Foi ocasião para uma foto do 3º Pelotão quando acabava de regressar de uma patrulha pela região.
Com a devida vénia, não resisto a colocar uma descrição na primeira pessoa, que fui pescar ao blog do VLHORTA.
"Sete Curvas
O local das Sete Curvas (em pouco mais de 100 metros), era o sítio ideal para uma emboscada às nossas forças.Estrada a serpentear à beira de uma ravina. Do lado oposto à ravina, numa zona alta, no sentido Cacuaco – Beira Baixa – Nambuangongo, lá estava o IN abrigado em trincheiras, à nossa espera!Nesta emboscada “a das Sete Curvas”, 27Jul?, por força das circunstâncias, fomos obrigados a acampar e a pernoitar no sopé de um morro imediatamente a seguir à última curva (7ª.), por entretanto ter anoitecido e por termos sofrido 1 morto e 2 ou 3 feridos graves que careciam de evacuação rápida.
O local do acampamento era paupérrimo, de mata cerrada, mas não deixando ao Comandante outra alternativa que não fosse a de determinar que a máquina que nos acompanhava, buldozer, “terraplanasse”o sítio onde pernoitámos. Foi um trabalho exaustivo atendendo a que um pouco antes tinha havido um confronto com o IN.
Eu sei que nessa noite descansei um pouco sobre uma manta que estendi por debaixo do jipão das transmissões até cerca da meia-noite, altura em que fui acordado, por ordem do comandante, a fim de transmitir em morse, uma mensagem cifrada (RI).
A transmissão da mensagem em morse garantia uma maior segurança ao seu conteúdo e minimizava a ocupação do espectro de radiofrequência e também porque a propagação do sinal rádio em fonia era ténue devido a problemas relacionados com o comprimento da antena horizontal, instalada no exíguo espaço existente entre o jipão das transmissões e o ramo de um embondeiro que lhe servia de suporte.
Na transmissão dessa mensagem, ajustei a mola da chave de morse à coxa da perna direita e à luz de uma lanterna, tapado com uma capa para impedir que fosse visto pelo IN, o qual poderia eventualmente ter permanecido naquele morro muito alto que se situava ali bem perto e em local privilegiado para disparar dali uns tiros que atingissem o alvo, neste caso, a minha pessoa.
Enfim, depois de tudo isto, o Relatório Imediato lá chegou ao destinatário que o aguardava com alguma ansiedade. Um alívio para o Comandante e uma honra para mim; esgotado, mas consciente do dever cumprido; a seguir fui descansar.
Por vezes interrogo-me: Terá o Comandante descansado alguns minutos naquela noite? Estou em crer que não porque o dia seguinte foi também de trabalho intenso e a noite já era longa."
Nota do bloger: Caríssimo Horta nem o Comandante nem os outros porque o ambiente não era nada propício, como muito bem dizes.
1 comentário:
Vou lendo aos poucos estas postagens e os escritos sobre a nossa CC 115, e, à medida que um ou outro episódio é relatado, estou te parabenizando por isso; é que toca na minha "caixinha de memórias" e faz relembrar-me de um ou outro episódio, que acabo também por descrevê-lo.
Acerca da emboscada das Sete Curvas, já falei dela no meu Blog
(Vidé: Sete Curvas em
http://valhor.blogspot.com ).
Entretanto ocorre-me dizer ainda:
Na coluna de viaturas, o CMDT da CC 115 seguia na 7ª. viatura. O Jipão das Transmissões era a 9ª. viatura da coluna, onde eu também seguia. Quando a Viat das Tms se encontrava parada precisamente na chamada "zona de morte", o meu camarada de armas e de especialidade, 1º. Cabo 2199, J. Monteiro Ribeiro, diz-me: - Eh pá, faz um tiro para aquele arbusto que eu vi ali mexer.
Respondi-lhe: - Lá estás tu a ver fantasmas ... não viste nada!
Permanecemos ali parados durante algum tempo, a fim da Buldozer retirar as abatises da última curva.
A seguir as viaturas iniciaram uma marcha lenta. Logo que o Jipão das Tms avança cerca de uns 20 ou 30 metros e se posiciona num local protegido pela ladeira íngreme da ribanceira, desencadeia-se o tiroteio.
Afinal o Monteiro Ribeiro sempre tinha visto mexer!
E eu, com toda a sorte deste mundo, não disparei o tal tiro que poderia ter sido fatal para a equipa das "Comunicações".
Arranjava-a bonita!...
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