domingo, 15 de junho de 2008

CC 115 -Luanda de 09 a 26 de Junho de 1961

Ambiente Físico e Social em Luanda



Luanda era uma cidade em franco progresso devido à influência da exportação de café, produzido sobretudo no norte de Angola: apresentava já algumas avenidas bem delineadas e viam-se construções de prédios por todo o lado.
Só que os acontecimentos dos últimos meses, desde 4 de Fevereiro e sobretudo de 16 de Março, tinham paralizado completamente a actividade económica e as populações branca e negra, até há pouco convivendo e relacionando-se com naturalidade, estavam agora separadas por um ódio recíproco que os impedia de se relacionar e conviver uns com os outros, por temor e desconfiança. Aos atos de terror nas Fazendas do Norte, levados a efeito pela UPA, sobre brancos e negros, (bailundos), trabalhadores contratados na região do Bailundo para a safra do café, seguiram-se as represálias por todos os meios e os musseques de Luanda foram campo fértil de atrocidades, agora cometidas por brancos armados e organizados em milícias ad hoc.
Por isto tudo a cidade parecia uma cidade fantasma, sobretudo a partir do fim da tarde, em que alguns negros de mais confiança ou mais afoitos recolhiam aos musseques, regressando do trabalho doméstico. Frequentemente se ouviam tiros de arma de guerra.
Com a presença da tropa a confiança das populações quer branca quer negra, começou a regressar e, quando saimos para o Caxito em 26 de Junho, o clima já era bem diferente: o convívio entre etnias foi retomado e as obras e trabalhos na cidade recomeçaram,regressando ao ritmo normal.
CC 115 - Operacionalidade e Preparação para a Intervenção
O material que ía chegando ao cais de Luanda vindo de Lisboa, era atribuído às subunidades a que se destinava e a CC 115 tambem recebeu o seu.
Segundo o relatório oficial, "o material destinado à 115 vinha em péssimo estado, sobretudo os equipamentos e espingardas, tendo estas sido substituídas por outras, igualmente "mauser", mas de modêlo mais recente, que estavam no Liceu e pertenciam à Província". Havia metralhadoras com percutores partidos e outras com "faltas oficiais" no seu completo.
Relativamente a viaturas, vinham com aspecto bom, mas cedo se verificou que eram viaturas com muito uso vindo este aspecto a revelar-se um dos mais difíceis de resolver e que mais problemas causou durante a campanha, quer no reabastecimento, quer nas operações de combate propriamente ditas.
À CC 115 foram atribuídas uma cozinha rodada, carro de água, viatura de transportes gerais, dois ou três jeeps Willys de 1/4 Ton e 4 ou 5 jeepões Dodge de 3/4 Ton.

Duas cozinhas rodadas, do modêlo que foi atribuído à CC 115

Atrelado de água, rebocado por jeep de 1/4 de Ton

Carro sanitário

Atrelado sanitário



Três viaturas iguais às que foram atribuídas à CC 115: jeep de 1/4 Ton, jeepão Dodge de 3/4 Ton e viatura de transportes gerais. Todas estas viaturas rebocam os respectivos atrelados.

Não havia viaturas em número suficiente para deslocar a Companhia e ao nível do Batalhão o problema era o mesmo. Foi necessário recorrer a viaturas emprestadas pela Guarnição normal de Luanda e recorrer a viaturas civis alugadas, quando foi da deslocação do Batalhão para a zona de Caxito-Mabubas e mesmo assim, ainda houve que recorrer ao sistema de vai-vem, isto é as viaturas que levavam uma companhia voltavam atràs para transportar outra, até que todo o Batalhão estivesse na área pretendida.

CC 115 - Instrução e operacionalidade das tropas
Durante o período passado em Luanda a instrução do pessoal consistiu especialmente na preparação física e mental, (motivação anímica e desenvolvimento do espírito de corpo), e no aperfeiçoamento de técnica de tiro, sobretudo numa modalidade nova que parecia a mais adequada ao ambiente esperado, o tiro à caçador ou tiro instintivo. Isto porque se previa a necessidade de fazer tiro em ambientes muito restritos e limitados, devido à grande densidade da floresta.
Por estes motivos, tambem nos deslocamentos, que se previam longos e frequentes, a tática a adotar trazia novidades: a reação rápida a uma emboscada poderia não ser a de saltar das viaturas, mas sim a execução de fogo imediatamente a partir das próprias viaturas, o que revelava uma vulnerabilidade imediata devido à exposição dos combatentes, de peito aberto sobre as mesmas
Concluiu-se daí a necessidade de obter uma proteção mínima, mas imediata, ainda sobre as viaturas. Isso significava blindagem, mas as viaturas eram ligeiras e sem qualquer proteção nesse sentido. Por outro lado não havia materiais disponíveis e adequados para o efeito. Depois de alguma discussão sobre o tema, foi decidido improvisar blindagens com chapas de bidons de 200 litros abertos e colocadas nas viaturas lateralmente, fazendo uma espécie de caixa que se enchia de areia ou terra vulgar. Esta artimanha tinha o inconveniente de sobrecarragar as viaturas, limitando-lhes as capacidades de carga e manobra, mas oferecia alguma proteção contra tiros tensos e de proximidade, sobretudo de canhangulos. O condutor, elemento especialmente visado pelo In, (inimigo), era protegido lateralmente por uma chapa de ferro de 2 ou 3 mm. A segurança oferecida era mais psicológica do que real e, por isso, a parte traseira da viatura ficava aberta e sem qualquer obstáculo para permitir o abandono desta o mais rápidamente possível. Como uma imagem vale mais do que mil palavras, segue-se uma foto da viatura da 1ª Secção de atiradores do 3º Pelotão, em ordem de marcha, tirada no dia 14 de Julho, à saída de Mabubas, rumo a Quicabo.



Quanto à operacionalidade das tropas e sua preparação remota fora muito deficiente, atendedendo sobretudo ao facto de muios dos militares serem oriundos dos serviços e não de unidades operacionais. O relatório oficial refere mesmo um caso de uma companhia cujo pessoal, após um ligeiro exercício de ocupação e organização do terreno em posição defensiva, depois de fazer alguns pequenos abrigos, ficou completamente exausto.



Diz ainda o referido relatório: "Algum tempo depois da estadia na região de CAXITO - MABUBAS, o Comando concluiu que, das CCaç, a melhor preparada, física e técnicamente, era a CCaç 115 e que, embora o moral geral fosse muito bom, era, também a 115 a mais entusiasta."



A avaliar pelo aspecto revelado pela foto supra da 1ª Secção do 3º Pel da CC 115, parece que a referida conclusão do Comando estava bem fundamentada.

Outro aspecto a que foi dada muita atenção, no que se refere à instrução, foram as transmissões.






Sobre este assunto dou a palavra ao Camarada Valadas Horta, um expert na matéria e que conta na primeira pessoa a sua experiência:
A Equipa das Trasmissões da "115"
Constituição:Chefe – 2º. Sargento Martins;Radiotelegrafistas:1ºs. Cabos: 2199/60, Ribeiro; 2202/60, Xavier; 2200/60, Horta; 2201/60, Correia.Soldados: 2203/60, Pereira; 1455/60,Garcia; 12/60, Lemos; 2204/60, Silva.Cifrador:1º. Cabo 20/60, Sá. A codificação de mensagens estava a seu cargo. Elemento discreto, metódico de qualidades pessoais de educação e sociabilidade destacáveis.Nota: A equipa das transmissões da “115” criou dentro de si um vínculo de amizade e de solidariedade muito forte. O seu trabalho também concorreu para o prestígio alcançado pela “115”.∞No Caxito, os radiotelegrafistas da CC 115 receberam instrução dos equipamentos de transmissões com que iriam trabalhar, do diagrama de redes e indicativos de chamada, da autenticação das mensagens e, de um modo geral, das regras e procedimentos de uma rede rádio.Ficamos a conhecer os equipamentos atribuídos à Companhia:O E/R ANGRC-9, normalmente instalado em local fixo ou em viaturas. Por vezes, em operações apeadas era transportado às costas. O seu completo em termos de acessórios, era composto por uma enorme Unidade de Alimentação, um Gerador Manual, a respectiva antena, chave de morse, micro, auscultadores, etc., mobilizando quase sempre duas ou três pessoas no seu transporte. Este equipamento, a trabalhar em HF, cujo comportamento do sinal de emissão atinge e se reflecte nas altas camadas atmosféricas, era um óptimo equipamento desde que fosse devidamente sintonizado e fossem seleccionadas as frequências diurnas e nocturnas. A antena horizontal deste equipamento estava preparada e aferida tendo em conta a frequência em que se pretendesse trabalhar. Devidamente instalado, cobria todo o território de Angola, nomeadamente em grafia (morse);O E/R PRC-10 que estabelecia o contacto com os aviões no teatro de operações (não cobria grandes distâncias);O E/R CPRC-26?, portátil, apenas funcionava em linha de vista e a curta distância (tipo de comunicação que segue a curvatura da Terra – VHF)Foi ainda no Caxito que demos início à instalação de antenas verticais não verdadeiras (pedaços de verguinha de aço, utilizado no betão armado) em todas as viaturas da Companhia, a fim de evitar que as viaturas onde se encontravam instalados os meios de transmissões fossem referenciadas pelo IN (Inimigo como era considerado na altura).
No Caxito havia muitos mosquitos. A zona tem muitas palmeiras e canais de rega para o palmar e canavial de açúcar da Fazenda Tentativa, pelo que o aparecimento das "melgas" é inevitável, acrescendo ainda o calor tropical que caracteriza a região. Na Fazenda Tentativa, a cana era moída, transportava-se o sumo às caldeiras, onde era cozido e recozido, escumado e lavado, até se pôr nas formas a coalhar; na casa das fornalhas, o calor, a fumaça, o negrume, davam espanto a quem, alheio àquela espécie de trabalho, por curiosidade o contemplava. Só que, devido aos factores referidos, os mosquitos na zona do Caxito apoquentavam de tal ordem que eu fui parar à enfermaria onde levei uma injecção anti-inflamatória (penso que terá sido a última injecção dada pelo furriel enfermeiro Loureiro que faleceria em combate na emboscada de Quanda-Maúa, dias depois).



SEgue-se uma foto da epuipa de radiotelegrafistas das CC 115

1 comentário:

MVHorta disse...

Em Balacende
De pé e da esquerda para a direita:
1º. Cabo, Valadas Horta; 1º. Cabo, Vitor Hugo; Soldado, João Silva;
1º. Cabo, António Correia; Soldado Joaquim Pereira.
Em Baixo e pela mesma ordem:
1º. Cabo Joaquim Ribeiro; Soldado António Lemos.