sexta-feira, 30 de maio de 2008

Viagem no N/M Niassa - Lisboa Luanda

Não resisto a transcrever para o meu blog, com a devida vénia, a descrição do Camarada Valadas Horta. Pelo seu realismo, merece ser lida com o maior interesse.
"O dia da partida de Lisboa rumo a Angola, foi a 28Mai1961 e a viagem no Navio Mercante "Niassa"; após os primeiros momentos a bordo, constatou-se que os alojamentos eram insuficientes e maus, nomeadamente do ponto de vista higiénico; a viagem foi praticamente de enjoos durante os quase 12 dias de viagem.
As causas dos enjoos:
Todos nós sabemos que no fundo do ouvido encontra-se um órgão minúsculo que nos dá o sentido do equilíbrio.
A bordo de um navio sacudido pelas ondas, esse órgão fatiga-se e os passageiros experimentam uma espécie de vertigem e enjoo causados pela falta de equilíbrio... e também de inquietação.
No mar essas causas são complexas, mas provêm principalmente de uma irritação anormal do ouvido interno - falta de equilíbrio -, associada aos puxões das vísceras ocasionalmente pelo balançar do navio. Finalmente, o desregramento dos reflexos é tanto mais intenso quanto mais os elementos do psiquismo actuam.
Se o N/M "Niassa" era um cargueiro adaptado a camaratas transportando mais de dois mil militares nos seus porões, é sabido de antemão que alguma coisa não iria bater certo.
Senão vejamos:
O "restaurante" era ao ar livre, sem mesas nem cadeiras. Entregaram "à soldadesca" um prato e um talher, para toda a viagem, e à hora das refeições alguém trazia uma terrina com comida mal confeccionada. Uma secção, sentava-se no chão, à volta da terrina e tentava enganar o estômago. Posteriormente ainda tinha que lavar o prato, só que nem sempre com água doce porque essa escaceava, inclusive, para tomar banho.
Nos porões onde estavam instalados os beliches e nas casas de banho o cheiro nauseabundo devido à vaga de sensação de desconforto e das vomições era insuportável, as temperaturas eram muito elevadas e o espaço era de uma exiguidade inexplicável.
Mais palavras para quê?
Nem sequer vale a pena falar de inquietação, psiquismo, etc. para justificar o motivo dos enjoos que afectou "todo o mundo."

Viagem (NIASSA) - 28MAI61 a 09JUN61

A viagem decorreu sem grandes incidentes e com certa normalidade, dentro dos condicionalismos consentidos pelo alojamento de cerca de três mil homens em porões de um cargueiro adaptados a casernas, onde, a certa altura, os enjoos e indisposições provocaram toda a espécie de mal estar, com cheiros insuportáveis e temperaturas que dificultavam a respiração.
O Relatório Oficial relativo a esta operação diz o seguinte:
"Após os primeiros momentos a bordo, em que foram estabelecidas as normas de vida, constatou-se ser o navio insuficiente para tão elevado número de pessoal, por falta de alojamentos capazes, especialmente do ponto de vista da higiene.
Tudo se arranjou o melhor que foi possível e saiu-se a barra do Tejo, rumo a Angola. Para a quase totalidade do pessoal, rumo ao desconhecido; para alguns rumo ao ignorado."

Lugares de refúgio eram os deks, as cobertas, a proa e a popa do navio, que serviam de parada para instrução e especialmente para passar alguns bocados a ver os peixes voadores ou o simples ondular das águas cortadas pela quilha do grande barco.
No dia 30 de Maio, deixadas já para tràs as ilhas de Madeira e Porto Santo, passamos ao largo das ilhas Canárias, e surgiu, como por acaso, uma embarcação militar que soubemos ser a escolta da nossa Marinha de Guerra, a Corveta LIMA que nos acompanhava discretamente a meia distância. Aliás esta escolta durou todo o percurso, só que a certa altura deixou de ser a corveta "Lima", ida de Lisboa, para ser outra baseada em Cabo Verde ou vinda de outro lado qualquer. O Império Português ainda existia e o Mar ainda era, em grande parte, também Português.


Esta escolta era totalmente justificada, por motivos de segurança do navio transporte de tropas, considerada em todas as suas vertentes esterna e interna.
Externa, digo eu, contra qualquer ataque vindo do exterior a uma unidade de tansporte de pessoal completamente indefesa e portanto muito vulnerável; interna porque garantia ao Comando Militar do navio uma intervenção em caso de indisciplina a bordo.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

E lá fomos, mar fora

"Já a vista pouco e pouco se desterra
Daqueles pátrios montes, que ficavam;
Ficava o caro Tejo e a fresca serra
De Sintra, e nela os olhos se alongavam;
Ficava-nos tambem na amada terra
O coração, que as mágoas lá deixavam;
E, já depois que toda se escondeu,
Não vimos mais enfim que mar e céu."

Lusíadas, V-III

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Largada de Lisboa - Cais de Alcântara

Ao meio dia em ponto do dia 28 de Maio de 1961 o N/M Niassa, atracado no Cais de Alcântara, em Lisboa e a abarrotar de militares dos Batalhões de Caçadores 114, 155, 156, a Companhia de Cavalaria 121 e dois Pelotões de Morteiros Pesados, alem de outras pequenas unidades de menor expressão, deu três sinais sonoros que fizeram troar o Tejo e, largadas as amarras, ao som do Hino Nacional, fez-se ao mar imenso, rumo a Luanda.
Os militares ocuparam os pontos mais apropriados para dizerem um último adeus a Lisboa e aos familiares e amigos, que ficavam no cais. Adeus até ao meu regresso!

O N/M Niassa

O N/M Niassa era uma embarcação de transporte mixto, de passageiros e carga, que foi adaptado para transporte de tropas em situação de emergência. Os camarotes de passageiros passaram a receber o dobro dos ocupantes e os porões foram transformados em casernas cheias de beliches até aos tetos de cada porão, de modo a poder transportar cerca de dois mil homens em cada viagem.
Aqui vai uma fotografia da embarcação que nos levou até Luanda, partindo de Lisboa em 28 de Maio de 1961, na sua segunda viagem com aquele destino.

Embarque em Lisboa - Cais de Alcântara - 28MAI61

A alvorada do dia 28 de Maio de 1961 teria sido igualzinha a tantas outras, não fosse a circunstância de ser o dia previsto para o segundo grande embarque de tropas para Angola no N/M NIASSA, a partir do Cais de Alcântara, em Lisboa.
Por esse motivo nem sei já se dormimos na noite de 27. Grande parte não pregou olho. O certo é que ao alvorecer do dia 28 estava a CC 115 sobre rodas, a caminho da Estação de Caminho de Ferro de Mafra. Aí, tomado o comboio especial para a tropa, lá vamos na primeira etapa rumo ao desconhecido. A maioria nunca teria feito aquele percurso de comboio até Lisboa. Recordo bem a passagem pelos apeadeiros e estações sem parar, nomeadamente a passagem no troço do Vale de Alcântara, com o Aqueduto das Águas Livres a esmagar-nos e o Casal Ventoso pendurado sobre os túneis que ali há.
No Cais de Alcântara, os expedicionários que haviam de superlotar o cargueiro NIASSA, transformado em transporte de tropas, em circunstâncias difíceis de entender e piores de suportar, (era o que havia), formaram em parada ocasional para o discurso da praxe e despedida do Ministro da Defesa.

Não havia muita gente a despedir-se. As grandes multidões de familiares e outros, em grande parte mobilizados pelos opositores à guerra e ao regime, só muito mais tarde se verificariam.

A entrada a bordo foi de grande curiosidade para todos. Havia mesmo algum entusiasmo e entrega generosa a uma causa que não era bem conhecida, mas que se pensava ser do interesse de Portugal. Não havia ideal político, mas antes sentimento de solidariedade para com portugueses que estavam sendo afectados na sua integridade física e patrimonial. Os interesses dos outros, ninguém se preocupava com eles nem isso interessava que fosse discutido

terça-feira, 27 de maio de 2008

Convívio da CC 117

Decorreu em Trofa no passado dia 25 o Convívio dos militares da CC 117, com grande emotividade e espírito de camaradagem, como sempre foi apanágio dos militares do BC 114. Aqui vão duas fotos desse grande evento, que me enviou o Camarada B. Morim.



segunda-feira, 26 de maio de 2008

Evocação - Homenagem

Morreu o nosso Comandante de Companhia - da CC 115! Notícia confirmada!
O Capitão Alípio Emílio Tomé Falcão, (Major-General), foi Homem dotado de grandes qualidades de liderança baseada em princípios muito definidos e aceites, foi para todos nós, um guia que seguimos, durante dois anos, em condições e tarefas muito difíceis, que levámos a bom termo, sob a sua direcção. Lembramo-lo com respeito e muita saudade!
Aqui deixo uma foto em que ele no alto do monte M'ZULA, junto a Quicabo, procedia a uma observação da região, planeando operações que iríamos levar a efeito.

domingo, 25 de maio de 2008

Desfile da CC 115

Terminada a cerimónia em parada, seguiu-se o desfile militar de todas as subunidades integrantes. Segue-se um pormenor de um Pelotão da CC 115.
Aumente o zoom, clicando, para melhorar a fotografia.

25 de Maio de 1961 - Despedida da EPI

Terminadas as férias para despedida dos familiares e amigos, decorreu no dia 25 de Maio de 1961 a cerimónia oficial de despedida da Unidade Mobilizadora - Escola Prática de Infantaria, da sua Companhia de Caçadores 115. A cerimónia decorreu no Terreiro frente ao Convento de Mafra, com a CC 115 ao centro e as Companhias de Instrução dos COM e CSM à direita e à esquerda respectivamente, em postura de Guarda de Honra.
O Comandante da EPI fez o discurso de circunstância, seguido da entrega do Gião, símbolo da unidade da própria Companhia e elo de ligação perene à Unidade Mãe, a Escola Prática de Infantaria.

Nota: clik sobre a imagem para aumentar

terça-feira, 20 de maio de 2008

Mafra e a Escola Prática de Infantaria

História da EPI-Escola Prática de Infantaria * LOMBA

ESBOÇO HISTÓRICO

As relações de Mafra com a Infantaria são bem antigas, pois em 1809, na preparação para fazer face à terceira invasão francesa, Beresford estabelece no Convento um "DEPÓSITO DE RECRUTAS DE INFANTARIA", com a missão de receber e instruir os soldados novos antes de se incorporarem nas unidades da Arma.

Guilherme Ferreira de Assunção no seu livro "À SOMBRA DO CONVENTO" refere que o conde Raczynski terá afirmado que em edifício de tão grandes dimensões seria possível alojar alguns regimentos. Escreve, ainda, que D. Maria II, após visitas à vila de Mafra, tinha reconhecido a vantagem da instalação de um corpo militar no Convento.

A partir de 1841, segundo o mesmo autor, o Convento começou a ser ocupado por militares. O Batalhão de Caçadores n.º 27 foi o primeiro e depois seguiram-se:

- Batalhão de Caçadores n.º 8; - Infantaria 1, 2, 5, 7,10, 12, 15, 16, 17 e 23; - Caçadores 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 8; - Artilharia n.º 4; - Lanceiros n.º 2; - Cavalaria 4, 9, e 10.

1846 - Por diploma de 20 de Dezembro, sendo ministro da guerra o Conde de Tomar, é prevista a organização de campos de instrução, alguns com escolas militares que davam continuidade ou desenvolviam algumas escolas existentes em unidades militares.

ESCOLA PRÁTICA DE INFANTARIA E CAVALARIA:

1887 - Por carta de lei de 22 de Agosto, reinado de D. Luís I, o ministro da guerra Visconde de S, Januário - funda a Escola Prática de Infantaria e Cavalaria que começa a funcionar no CONVENTO DE MAFRA. Assim se materializou naquele ano, a ideia da criação de escolas práticas destinadas ao desenvolvimento da instrução profissional dos oficiais de infantaria e de cavalaria, reunindo-se num estabelecimento a instrução prática das duas armas, por se terem achado comuns às duas, algumas especialidades de instrução militar.

1888 - A 9 de Janeiro, sendo comandante o Coronel César Augusto da Costa é publicada a primeira Ordem de Serviço. Nesse mesmo ano inicia-se a construção da carreira de tiro, considerada na época a melhor do país.

ESCOLA PRÁTICA DE INFANTARIA:

1890 - Em 17 de Abril, três anos após a fundação, separam-se as escolas de infantaria e cavalaria, continuando a primeira a funcionar em Mafra e em 24 do mesmo mês é publicado o regulamento inicial da Escola Prática de Infantaria. Pretende-se além do estipulado pela regulamentação de 1887, completar a instrução prática dos oficiais saídos da Escola do Exército e habilitar os indivíduos dos diferentes graus hierárquicos na prática de todos os serviços que eram os da Arma, experimentar armas de fogo, estudar melhoramentos no equipamento e fardamento da infantaria. Pelo mesmo regulamento era dividida a Escola em duas secções - Tiro, Esgrima e Ginástica.

1890 - Em 29 de Abril é publicada a primeira ordem de serviço da Escola Prática de Infantaria de que era comandante o coronel Joaquim Herculano Rodrigues Galhardo.

1893 - Subscrito pelo general Luís Augusto Pimentel Pinto, é publicado a 25 de Outubro o novo regulamento da EPI em que fica estabelecido o quadro orgânico e definida a missão no que respeita à instrução da Arma.

1902 - Por regulamentação desse ano definem-se os princípios estruturais expressos do antecedente, iniciando-se assim os cursos de promoção a oficial superior e passando a funcionar na EPI a Escola Central de Sargentos.

1911 - Passa a Escola a designar-se Escola de Tiro da Infantaria, dedicando-se especial interesse à instrução de tiro e concretizando-se a evolução verificada no exército pela qual era atribuída menor importância à instrução táctica dos quadros.

1920 - 1º Curso da Escola Central de Sargentos.

1926 - Em 17 de Setembro cria-se finalmente a Escola Prática de Infantaria, designação que se mantém até ao presente. Na década de 40 a EPI mobilizou o BI 20 para os Açores e destacou, na década de 50, o Batalhão Vasco da Gama para a Índia.

De 1961 a 1974 a EPI desenvolveu um extraordinário esforço na preparação e formação de quadros para a guerra de África, tendo destacado a Companhia de Caçadores 115 para Angola e a Companhia de Caçadores 176 para Moçambique.

Em 25 de Abril de 1974, a Escola foi uma das Unidades mais determinantes na "Revolução dos cravos", contribuindo decisivamente para a restauração da democracia e liberdade em Portugal.

"Sendo fiéis à ideia tida e à palavra dada" (transcrição de parte da placa comemorativa do 20 anos do 25 de Abril, colocada na Porta D´ Armas) a Escola volta a ter papel relevante em 25 de Novembro de 1975.

Nota do bloger: Fui retirar este esboço histórico a http://www.lomba.no.sapo.pt, por me parecer o melhor conseguido. Ao seu autor a devida vénia com as minhas homenagens e agradecimento.
PS. Sublinhado do bloguer

sábado, 17 de maio de 2008

Férias para Despedida - de 17 a 24 de Maio de 1961

"Tínhamos todos vinte anos", como muito bem disse o Camarada Furriel SanBento, no encontro de Sines! E, alem disso, estávamos todos possuídos, (como que alienados), pela ideia do IMPÉRIO, que nos fora incutida desde os bancos da escola, e fazíamos parte de um povo, todo ele igualmente possuído pela mesma ideia imperialista, embora camufladamente não se falasse de império mas sim de uma nação una e indivisível desde o Minho a Timor, com uma metrópole e províncias ultramarinas.
Nem tínhamos consciência clara de que íamos para a guerra: a propaganda e a ausência de liberdade de imprensa não permitiam ver a realidade das coisas. Os acontecimentos de Angola eram vistos como actos de banditismo de terroristas e bandoleiros, como então se dizia. Ninguém aceitava que os "nossos" indígenas africanos pudessem revoltar-se contra os seus senhores. Isso era coisa de congolês contra os belgas. Os "nossos" eram fiéis à "pátria"! Até havia um tratado de Simulambuco em que o rei do Congo se submetia à coroa portuguesa, como podiam agora os "nossos pretinhos" renegar a "pátria"?
Férias para despedida dos familiares e amigos! Nada mais natural, cada um fê-lo à sua maneira, deixando o maior número de laços possível para depois poderem relacionar-se, em tempos de saudade e melancolia, senão de sofrimento duro. Escusado será dizer que, cada um, procurou arranjar o maior número de "madrinhas de guerra". Lembro-me de que, por minha parte, arranjei algumas oito ou dez, só que nem todas cumpriram o seu dever de solidariedade para com o "afilhado", e ainda bem porque não seria possível corresponder-me com tanta gente. Havia escassez de aerogramas, pelo menos de início, como é sabido.
Enfim lá nos despedimos como pudemos e a 25 de Maio estávamos em Mafra de novo, prontos para as cerimónias de despedida, então da Unidade Mãe, a Escola Prática de Infantaria.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Preparação para a guerra (continuação)

Voltemos então ao enquadramento: no período entre 10 e 17 de Maio de 1961 a CC 115 dedicou-se à instrução de dia e de noite, sobre os cenários previsíveis que iríamos encontrar em África. Na Tapada de Mafra decorreram exercícios práticos de emboscada e contra emboscada, prática de tiro instintivo e luta corpo a corpo, decorrendo esta actividade de dia e de noite, em cenários o mais possível semelhantes aos que julgávamos ir encontrar em Angola.
Só não se percebeu muito bem o que se pretendia, quando, uma noite, a Companhia em ordem de marcha, armada e municiada com munições reais, ocupou os corredores do Convento de Mafra, em posição defensiva de combate e pronta para abrir fogo, à ordem, sobre alguém que nunca se soube quem fosse.
Outras guerras, que agora não interessa referir, mas tão só aflorar como resquícios da abortada "Abrilhada" do General Botelhio Moniz a que já nos referimos noutro local.
Neste período, fizeram-se os aprontos de materiais, especialmente fardamentos e outros objectos pessoais, que haviam de acompanhar cada militar, tendo como mais expressivo o famoso saco cilíndrico, onde cabia tudo, desde botas aos apetrechos de barba, sem esquecer a chapa de identificação, constituída por um disco metálico, diametralmente dividido por um picotado, para facilitar a fractura, contendo em cada semi-círculo o número, o nome e o grupo sanguíneo do respectivo militar, que a devia usar permanentemente, pendurada ao pescoço.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Contra o uso e abuso da partícula "ex"

Hoje não tenho matéria especial para postar. O facto de o Primeiro Ministro ter fumado no avião, não me preocupa. Mas apetece-me discorrer sobre expressões que utilizamos, nem sempre da melhor maneira, na minha opinião: refiro-me ao uso e abuso da partícula "ex", quando nos referimos aos postos dos militares camaradas de armas, que andaram na guerra.
Esta expressão entrou na gíria depois do 25 de Abril e começou por se aplicar aos "ex-pides" e pegou de tal maneira que depois se aplicou a tudo quanto tinha sido passado.
Ora, eu não renego o meu passado, isto é, eu sou tudo o que já fui e o que sou agora. Portanto, de acordo com este princípio, nunca utilizarei, a não ser por distracção, a expressão "ex" quando me referir a qualquer dos meus camaradas da guerra.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Os 5 Oficiais Operacionais da CC 115

Após a distribuição do fardamento de kàqui amarelo, os Oficiais da Companhia deixaram-se fotografar para a posteridade. Repare-se que os bonés ainda não exibem todos as armas de Infantaria, apenas o Tenente Cipriano Pinto tem esse acessório: eram novos! O referido Oficial destaca-se pela elegância e pela afabilidade com que sobrepõe as mãos nos ombros dos camaradas.
Clik para aumentar.

Ao centro o Comandante da Companhia, Capitão Alípio Emílio Tomé Falcão;
O segundo a contar da direita o Adjunto da Companhia e Comandante do Pelotão de Acompanhamento, Tenente António Cipriano Pinto;
O primeiro à esquerda o Comandante do 1º Pelotão, Aspirante a Oficial Gualter Leite de Freitas;
O segundo a contar da esquerda o Comandante do 2º Pelotão, Aspirante a Oficial João Lima Barreto;
O primeiro à direita o Comandante do 3º Pelotão, Aspirante a Oficial António Nobre de Campos.
Nota do bloguer: -Na data de embarque os Aspirantes a Oficial serão promovidos a Alferes.

Placa identificadora

Um dos objectos mais curiosos que foi atribuído a cada combatente foi a Placa Identificadora, cuja imagem segue abaixo.
Cada militar devia ser portador de uma placa destas para, em caso de morte, ser fácilmente identificado.
Clik sobre a imagem para aumentar.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Preparativos para a guerra

De 10 a 17 de Maio, enquadrada a CC 115 na EPI, Mafra, decorreram os actos preparatórios para a guerra: antes de mais, toda a Companhia foi submetida a uma inspecção por uma Junta Médica e Militar para averiguar das condições sanitárias e físicas de cada um para servir no Ultramar,(fomos todos apurados!!!), sendo ministradas as vacinas exigídas e distribuídos os comprimidos para purificação de água e outros fins adequados; simultaneamente decorria instrução teórica sobre os poucos conhecimentos adquiridos no C.I.O.E., àcerca da guerra subversiva e guerrilha.
Na ginástica e na ordem unida fazia-se o entrozamento dos vários elementos constituintes dos pelotões, para conseguir a tal unidade, amizade e companheirismo, (espírito de corpo), tão necessários para enfrentar os tempos difíceis que se adivinhavam.
Durante estes dias foram distribuidos fardamentos de càqui amarelo que se julgavam adaptados ao ambiente onde iríamos actuar. Depois se veria o anacronismo desta opção de fardamento, uma vez que íamos actuar em floresta verdejante e não no deserto.
Os oficiais da companhia tinham direito a usar uma farda branca para as cerimónias oficiais: eram os usos coloniais no seu melhor!
Lembro-me que no dia 12 me desloquei a Lisboa com os outros oficiais para mandar fazer a farda branca nas Oficinas Gerais de Fardamento. Aproveitei para, num armeiro que havia na Praça da Figueira, "Silva", comprar, por 1.200$00, uma pistola FN de calibre 7.65, para defesa pessoal, que me acompanhou durante toda a comissão e ainda hoje guardo com muito cuidado.

sábado, 10 de maio de 2008

A CC 117 Faz o seu encontro anual

Recebi do 1ºCabo 12/58 da CC 117, Benjamim de Castro Morim o seguinte e-mail que publico com muito gosto. Oxalá que ajude a comparecer muitos camaradas daquela Companhia.

Assunto: Almoço Confraternização 2008

Caros Amigos da C. Caç. 117:

Este ano, o convívio será organizado no Monte de S.Gens, - Trofa.
A concentração terá lugar junto à Capela local a partir das 10:00 horas no dia 25-05-2008 onde será celebrada ás 12H00 horas missa pelo nosso Tenente-Coronel Capelão – Pde. Carlos Mesquita.
Finda a missa, faremos a deslocação a pé para o restaurante, que fica muito próximo, onde será servido o almoço de convívio entre todos os ex. militares e seus familiares.

Custo do almoço por adulto 22,50€

Custo do almoço crianças até aos 12 anos 11,00€

Este ano a organização é da responsabilidade do ex.1º cabo nº 776/60 António Oliveira Matos.
Agradeço a maior brevidade possível, espero resposta até ao dia 15 de Maio, para o efeito, podem utilizar o fundo da carta para envio por CTT ou ainda contactar pelos

Telefs.nºs.965 592 689 António Oliveira Matos
Ou 966 459 821 A.Ribeiro e 966 798 218 B.Morim

Cumprimentos,
António Oliveira Matos
ex.1º cabo 776/60
"--------------------------------------------------------------------------------------------------
Com um abraço do ex 1º cabo 12/58 da C.Caç 117

BENJAMIM DE CASTRO MORIM
RUA 31 DE JANEIRO, 160 - R/C - ESQ
4490-533 POVOA DO VARZIM

bmorim@sapo.pt

10 de Maio de 1961

Terminado o mini estágio em Lamego, no C.I.O.E., Centro de Instrução de Operações Especiais, os quadros do BC 114, separaram-se por companhias e cada grupo seguiu para a respectiva Unidade Mobilizadora. Voltariam a encontrar-se no momento do embarque, com destino a Angola, no dia 28 seguinte.
A mim e aos meus camaradas coube-nos seguir para Mafra, E.P.I., Escola Prática de Infantaria, onde fomos enquadrar uma Companhia de Caçadores, a CC 115, cujos elementos já vinham recebendo instrução de conjunto, com vista à mobilização.
De 10 a 17 de Maio, decorreu aquele primeiro contacto entre pessoas que jamais se haviam encontrado e que, agora, tem destino comum: construir uma amizade que os leve a, se necessário, dar a vida pelo camarada que está a seu lado. Dizia-se: dar a vida pela Pátria, mas parece mais adequado dar a vida pelo camarada ao lado, porque é com ele que se constitui equipa para vencer, ou melhor para não morrer. A Pátria, nem sempre se sabe muito bem o que é, e não é igual para todos.
Alguns camaradas tiveram mais dificuldade em adaptar-se às exigências da vida em comunidade militar e da instrução da Infantaria: os condutores auto, por exemplo, todos oriundos do Grupo de Companhias Trem-Auto, (Arma de Engenharia), fornecedora de condutores para as Altas Entidades do Estado, nomeadamente Generais; e os homens das Transmissões, agora na contingência de terem de transportar às costas os pesados ANGRC-9, para acompanharem as operações apeadas de Infantaria.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Encontro do 47º Aniversário do Embarque da CC 115

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Mini Estágio em Lamego

De 4 a 9, ambos inclusivè, de Maio de 1961 decorreu em Lamego aquilo a que se poderia chamar: "A Apresentação da Guerra".
A Companhia de Caçadores Especiais, (vulgo, Rangers), ali criada e a que já me referi, exibia com alguma exuberância a sua preparação técnico-táctica para intervir em teatro de guerra subversiva e de guerrilha instalada, baseada em conhecimentos que os observadores militares portugueses haviam obtido na Guerra da Argélia.
Os cinco dias úteis de instrução a que os quadros do Batalhão de Caçadores 114 foram submetidos naquela unidade, não foram mais do que tomar conhecimento de uma nova maneira de abordar o fenómeno da guerra: Gustavo, Leopoldo, Napoleão, Eisenhauer, Montegomery e o próprio Romel, já foram. Quem dá cartas agora são os beduinos do deserto e sobretudo os Giaps no Vietnam.
Foi neste ambiente e com teorias destas que passámos o dia 4, assistindo a palestras e exibição de filmes a propósito.
O dia 5 foi passado no campo de tiro da Unidade, com a apresentação de vários tipos de explosivos, minas e armadilhas, com cargas diversas.
No dia 6 decorreu nas margens do Douro a manobra expedita de atravessar cursos de água, culminando com a transposição de um Geep Willys de uma margem para outra, por meio de jangada improvisada.
O dia 7 foi dedicado à acção de emboscada: estudo, concepção, escolha do terreno propício para instalação da operação e sobretudo a reacção às emboscadas do inimigo.
No dia 8 teve lugar a prática de tiro instintivo de FBP e Parabellum.
Finalmente no dia 9 teoria sobre Golpe de Mão, e Cêrco e Limpeza de uma Povoação, que terminou com a observação desta última acção, realizada por um Pelotão de Caçadores Especiais.
E pronto estavam preparados os quadros do BC 114: "AD OMNIA PARATI"

domingo, 4 de maio de 2008

Tentativa de preparação acelerada para a guerra

Enquanto nas paradas decorria a instrução, as instalações sonoras chamavam às secretarias, um após outro e pelos respectivos nomes, os jovens instrutores que iam sendo nomeados para ir enquadrar companhias de soldados “prontos”, noutras unidades.
A preparação para a guerra era nula, pelo menos para o tipo de guerra que se previa. Por isso foi necessário fazer um simulacro de preparação de quadros, em Lamego, única unidade onde era possível teorizar e exemplificar algumas das acções mais significativas da guerrilha.
Esta qualificação da Unidade de Lamego deveu-se ao facto de 4 anos antes o Secretário de Estado do Exército, Tenente Coronel Costa Gomes, ter ali criado uma Companhia de Caçadores Especiais, (os rangers), que foi o fermento para a acelerada preparação dos quadros das unidades e subunidades a mobilizar.
Foi assim que no dia 3 de Maio de 1961, os quadros, (quase todos ainda aspirantes, uns a oficial e outros a sargento, pois de milicianos se tratava), se apresentaram em Lamego, depois de uma viagem, para alguns idílica, pelo Vale do Vouga, naquele comboiozinho matreiro que serpenteava, paralelo ao rio, até São Pedro do Sul. Dali, em autocarro, sobe--se até ao planalto penhascoso de Castro Daire e depois a descida para a Régua.
Em Lamego encontram-se todos os quadros do Batalhão 114 (Companhias: CCS, CC115, CC116 e CC117), desde o Tenente Coronel Comandante do Batalhão até ao último Cabo Miliciano. Este, quando embarcar, será promovido a Furriel, como todos os milicianos aos respectivos postos imediatos.
No dia 4 começou a instrução: explosivos, armadilhas, minas, transposição de cursos de água, emboscadas, golpes de mão, cerco e limpeza de povoações, tiro instintivo, sobrevivência em clima tropical, enfim: uma larga panóplia de assuntos, despejada em seis dias, que daria matéria para seis meses de instrução, se se quisesse fazer bons combatentes e se houvesse tempo para tal.
Mas o "Chefe" havia decretado urgência: "Para Angola rápidamente e em força!"

sexta-feira, 2 de maio de 2008

A minha mobilização - 2 de Maio de 1961

Seriam uma dez horas da manhã de 2 de Maio de 1961 quando, decorrendo a instrução de toda a escola de recrutas, em plena parada do RI 3, Beja, se começaram a ouvir, pela instalação sonora ali existente, os nomes dos Aspirantes a Oficial instrutores que naquele dia foram mobilizados para a guerra. Entre esses foi chamado tambem à secretaria da Unidade este escriba de blogs, que ali tomou conhecimento de que havia sido mobilizado para integrar uma Companhia de Caçadores a constituir na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, sendo-lhe entregue, de imediato, guia de marcha para aquela Unidade Escolar de Infantaria.
Naqueles momentos que se seguiram, a avalanche de hipóteses sobre o que futuramente iria acontecer era tão grande, que não é possível agora concretizar ou reconstituir o que se passou naquelas cabeças jovens que apenas sabiam que tinham de se apresentar no destino no mais curto prazo de tempo.
Marchei pois, nesse mesmo dia para Mafra.

Maio de 1961

O ambiente socio-político que se vivia em Portugal ao entrar o mês de Maio de 1961 era de grande preocupação pelo que se passava em Angola, onde movimentos separatistas haviam dado início a acções de terror, cuja dimensão e alcance não estavam bem definidos.
À indiferença política demonstrada pelo governo, respondera o Ministro da Defesa, General Botelho Moniz, com uma tentativa de golpe de estado, em Abril, mas “oportunamente” demitido pelo Primeiro Ministro que assumiu a pasta da defesa, chamando a si os louros da decisão inevitável de intervir militarmente em Angola.
Neste contexto Salazar falando à Nação no Terreiro do Paço em ambiente de grande emotividade, decretou a mobilização:
"Para Angola rapidamente e em força!".
Nos quartéis decorria a primeira grande incorporação de recrutas, em preparação acelerada, com vista à mobilização.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

1º de Maio de 1961

O dia 1 de Maio, hoje Dia do Trabalhador, em 1961 era um dia de repressão sobre os opositores ao regime, nomeadamente os membros do Partido Comunista, então na clandestinidade. Alguns dias antes, a polícia política procedia a detenções, ditas preventivas, dos principais e mais conhecidos activistas políticos e sindicais.
Nos quarteis, essa segunda feira, foi mais um dia de instrução intensiva nas escolas de recrutas. No RI 3, em Beja, onde me encontrava, a vida decorria com aparente normalidade. Digo aparente porque não era assim tão normal: Já tinham começado as mobilizações - três oficiais milicianos já tinham marchado para unidades mobilizadoras e na Messe de Oficiais e respectiva sala de convívio, passavam-se coisas estranhas desde há vários dias - Os oficiais superiores do QP desdobravam-se em reuniões, retirados dos milicianos que nada sabiam do que se passava.
A "ABRILADA" havia abortado, Costa Gomes, um dos principais conspiradores havia sido colocado precisamente o RI 3, mas tudo isso nos passava ao lado: os milicianos tambem eram apenas carne para canhão e não tinham acesso aos segredos dos espíritos iluminados.