sexta-feira, 30 de maio de 2008

Viagem no N/M Niassa - Lisboa Luanda

Não resisto a transcrever para o meu blog, com a devida vénia, a descrição do Camarada Valadas Horta. Pelo seu realismo, merece ser lida com o maior interesse.
"O dia da partida de Lisboa rumo a Angola, foi a 28Mai1961 e a viagem no Navio Mercante "Niassa"; após os primeiros momentos a bordo, constatou-se que os alojamentos eram insuficientes e maus, nomeadamente do ponto de vista higiénico; a viagem foi praticamente de enjoos durante os quase 12 dias de viagem.
As causas dos enjoos:
Todos nós sabemos que no fundo do ouvido encontra-se um órgão minúsculo que nos dá o sentido do equilíbrio.
A bordo de um navio sacudido pelas ondas, esse órgão fatiga-se e os passageiros experimentam uma espécie de vertigem e enjoo causados pela falta de equilíbrio... e também de inquietação.
No mar essas causas são complexas, mas provêm principalmente de uma irritação anormal do ouvido interno - falta de equilíbrio -, associada aos puxões das vísceras ocasionalmente pelo balançar do navio. Finalmente, o desregramento dos reflexos é tanto mais intenso quanto mais os elementos do psiquismo actuam.
Se o N/M "Niassa" era um cargueiro adaptado a camaratas transportando mais de dois mil militares nos seus porões, é sabido de antemão que alguma coisa não iria bater certo.
Senão vejamos:
O "restaurante" era ao ar livre, sem mesas nem cadeiras. Entregaram "à soldadesca" um prato e um talher, para toda a viagem, e à hora das refeições alguém trazia uma terrina com comida mal confeccionada. Uma secção, sentava-se no chão, à volta da terrina e tentava enganar o estômago. Posteriormente ainda tinha que lavar o prato, só que nem sempre com água doce porque essa escaceava, inclusive, para tomar banho.
Nos porões onde estavam instalados os beliches e nas casas de banho o cheiro nauseabundo devido à vaga de sensação de desconforto e das vomições era insuportável, as temperaturas eram muito elevadas e o espaço era de uma exiguidade inexplicável.
Mais palavras para quê?
Nem sequer vale a pena falar de inquietação, psiquismo, etc. para justificar o motivo dos enjoos que afectou "todo o mundo."

1 comentário:

NOCA disse...

Pois é Caríssimo Companheiro e Camarada Horta, aquilo devia ser mesmo insuportável. Devia ser, digo eu, porque só lá fui, aos porões, uma vez na primeira ronda que me coube fazer, ainda não havia vómitos. Depois nunca mais lá voltei porque tambem eu era atacado de enjôo.
Os copos, pratos e malgas eram de alumínio e chamava-se àquilo, "a palamenta", lembram-se?
Seria necessário fazer um estudo sociológico profundo, para compreender e explicar as agruras, carências, e contrariedades que este corpo expedicionário sofreu, dando sempre o seu melhor e cumprindo sempre as missões atribuídas, onde se sacrificaram até à morte muitos dos seus elementos.
Lembramo-los com respeito!